quarta-feira, 14 de maio de 2014

Excelente exemplo da Dragões da Real (SPFC)

             A Dragões da Real (DDR) é uma torcida fundada, em 15 de junho de 1984, com a principal meta de apoiar, incondicionalmente, o São Paulo Futebol Clube, time nascido na capital paulista em 1935.
            Desde a sua fundação – salvo os primeiros anos após 1995 em que ocorreu a chamada “batalha campal no Pacaembu” – essa torcida não parou de crescer e, nos últimos anos, tem surpreendido, positivamente, também no Carnaval Paulista com uma respeitada Escola de Samba e, na sociedade em geral, por meio de exemplares campanhas sociais, bem como pela brilhante proposta de paz entre as organizadas levadas a cabo, especialmente, por André Azevedo, seu atual presidente.
            Considerando esses avançados trabalhos da DDR, o Projeto Toppaz (Torcida Organizada Pela Paz) propôs, mais de uma vez, que a Dragões completasse o seu interesse pela paz mudando também as formas de anunciar alguns de seus jogos, principalmente os clássicos e as demais partidas de grandes rivalidades.
A proposta da Toppaz é simples, mas muito significativa. Já foi apresentada, com detalhes, em um artigo publicado pela conceituada revista Síntese: Direito Desportivo n. 13, junho/julho de 2013, p. 208-220. Lá se afirma que a violência simbólica, às vezes exposta sob capa de brincadeira sadia, pode levar à violência física no ambiente futebolístico, especialmente, se o outro é visto não mais como mero rival, mas, sim, como inimigo a ser destruído.
Ora, na filosofia toppaziana, a partir do momento em que não se coloca o nome correto do rival e nem seu símbolo, passa-se da mera brincadeira sadia, que permeia o mundo futebolístico, para a violência simbólica e esta pode, consequentemente, levar a agressões ou mortes. Daí formularmos, no referido artigo da Síntese, quatro medidas práticas que, embora não eliminem a violência, cujas causas éticas e sociais são bem mais profundas, muito podem ajudar a minorá-las. Dentre as propostas, cabe destaque a de número 2 que diz: “O anúncio de jogo seja feito com o nome (e o símbolo, se houver) correto do time rival, ainda que este possa ser colocado com letras minúsculas ou o símbolo em tamanho menor do que o time anunciante da partida”.
Na prática, coloca-se, em nosso Estado: São Paulo x Corinthians; São Paulo x Palmeiras; São Paulo x Santos ou em ordem inversa quando aqueles times forem os mandantes. A mesma medida civilizada e civilizatória cabe para os jogos com os grandes rivais de outras unidades da nossa Federação.
            Essa norma, que, a princípio, parece ingênua, ajuda a formar, na cabeça do torcedor adolescente ou jovem, a ideia de que ele tem rivais, mas não inimigos ou caças a serem abatidas. É uma tentativa de se recuperar a ideia primeira do futebol moderno: civilizar os instintos humanos selvagens por meio da disputa sadia e dentro de regras – legais ou do simples bom-senso – a serem usadas, cada uma a seu modo, dentro e fora das quatro linhas.
            Aqui, alguém poderia dizer o seguinte: uma torcida organizada que age com civilidade é “fraca”, pois os torcedores precisam ser másculos de verdade e sair quebrando tudo para impor respeito ao adversário. Nada mais ignorante e irracional. Essa afirmação não resiste, por exemplo, às observações do médico psicoterapeuta Dr. Joaquim Motta, ao dizer que “um animal recorre à agressão quando está enfraquecido”. (...) “Reagimos com violência na vivência da fraqueza” (Gol, guerra e gozo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005, p. 23-24).
            Portanto, se a torcida Dragões da Real despreza a violência e cultiva a paz anunciando civilizadamente os jogos em suas redes sociais, ela não é mais fraca. Ao contrário, é mais forte e máscula do que aquelas outras torcidas que, eventualmente, acuadas pelo medo, apelam para a selvageria simbólica e física.       
Com essa nova forma de anunciar os jogos, colocando os nomes e símbolos corretos dos rivais, a Dragões da Real oferece um grandioso exemplo para o Brasil. Merece os parabéns de todos os que, realmente, prezamos a paz.


Vanderlei de Lima é filósofo e coautor do livro O protagonismo das torcidas organizadas na promoção da paz, Ed. do Autor, 2012. E-mail: toppaz1@gmail.com

sábado, 3 de maio de 2014

Racismo ou Injúria racial? Análise dos casos 'Clippers', 'Dani Alves', 'Márcio Chagas' e 'Tinga'.






Bom dia caros leitores,

As últimas semanas reservaram episódios lamentáveis envolvendo personalidades do meio esportivo no que se relaciona a prática(?) do racismo.


Nos EUA, os atletas da NBA fizeram notáveis protestos, assim como seus torcedores, levando cartazes e, por vezes, vestindo apenas trajes pretos (meias, shorts, camisas e bonés) em apoio aos negros no esporte americano, em especial, aos que disputam a forte liga de basquete.

Já no Brasil, foi lançada a campanha #SomosTodosMacacos, ao meu ver, de profundo mau gosto, recheado com um infeliz e desnecessário oportunismo midiático por parte de inúmeros atores 'globais' e, como era de se esperar, abraçado como uma virtuosa oportunidade de ganhar dinheiro com a venda de camisas personalizadas. 

Em síntese, esse é o resumo de ambos os acontecimentos, para não me estender muito.

Como todos sabem esse é um espaço virtual jus-desportivo que não se atém aos fatos e parcos comentários, mas à análises jurídicas que traduzam o que os atos cometidos significam para o direito e, quando necessário, quais as eventuais conseqüências que poderão surgir para os infratores.

Isso posto, como visto, a palavra 'racismo' dominou os noticiários esportivos a partir dos casos registrados na Espanha, nos Estados Unidos e também no Brasil e no Peru, respectivamente, com o ex-árbitro Márcio Chagas e o volante Tinga.

Mas será que todos estes casos efetivamente tratam-se do ilícito penal denominado 'racismo'?

Para responder a essa importante questão valho-me do saber de Leonardo Schmitt de Bem, Doutor em Direito Penal pela Universidade de Milão e autor do Livro: Direito Penal Desportivo: Homicídios e Lesões no Âmbito da Prática Desportiva, deveras indispensável para os que querem atuar na seara do Direito Desportivo.

Diz o amigo e especialistas na matéria, que "o crime de injuria qualificada - artigo 140, §3o do CP, protege a honra subjetiva de qualquer pessoa em relação ao sentimento que ela tem a respeito de seus atributos físicos, intelectuais e morais, etc., e consiste na ofensa irrogada pelo agente com a intenção de desqualificar a vítima em virtude de sua raça, etnia, religião, cor, ou pelo fato de ser idosa ou portadora de deficiência. Por expressa previsão legal a ação penal somente é iniciada por vontade do ofendido, sendo inadmissível a retratação, configurada, muitas vezes, pelo simples pedido de desculpas. Trata-se de injusto culpável prescritível e afiançável.

Por sua vez, "O ilícito especial - racismo - artigo 20 da lei n. 7716/89, alarga o campo de proteção penal tutelando o tratamento igualitário entre as pessoas. Proíbe, assim, o induzimento e a incitação, bem como a prática da discriminação ou preconceito relativo à raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional de qualquer pessoa. Tem-se um crime independente da vontade da vítima para inicio da persecução criminal e que, por imperativo constitucional, é considerado imprescritível e, também, inafiançável nas hipóteses de prisão em flagrante.

Daí surge a fundamental pergunta: Como proceder a distinção entre os dois tipos penais?

O citado autor entende que "deve ser realizada avaliando o âmbito de comunicação em que a ação ofensiva foi realizada. Assim, se fechada: injúria; quando aberta: racismo".

Nesse sentido, De Bem, nos fornece exemplos para melhor avaliação e verificação de sua afirmação:

"Durante encontro envolvendo time nacional e outro argentino válido pela Libertadores, um jogador portenho ofendeu a dignidade ou o decoro do atleta brasileiro, afirmando ser este um macaco (alusão ao fato do jogador brasileiro ser negro). Em outro episódio, apenas entre times nacionais e pelo certame gaúcho, após expulsão da partida um atleta passou o dedo sobre seu braço referindo-se à diferença de sua cor (branca) para com a do jogador adversário (negra). (...) Respeitadas as opiniões contrárias, entendo que no primeiro caso a ofensa foi pratica num âmbito de comunicação fechada entre os dois envolvidos, isto é, aquela produzida ao "pé do ouvido", objetivando prejudicar a atuação do adversário, caracterizando, desta forma, a injuria qualificada no CP. No segundo caso, embora o ofensor tenha manifestado sua conduta na presença e em desfavor do oponente em razão de um lance de jogo, com o gesto quis evidenciar a superioridade de sua cor (branca), em detrimento a do oposto (negra) e, assim, deixou de tratar de forma igualitária não apenas o adversário, mas todos os demais jogadores, inclusive os colegas de agremiação (comunicação aberta)".

Ressalta o estudioso, com o que concordo integralmente, "que o problema se agrava quando sai do campo do jogo e alcança as arquibancadas. Quer em locais nacionais ou no exterior ouvem-se cânticos racistas identificando atletas adversários como macacos. Logo, como punir estes torcedores?" 

Leonardo, explica: "Tratando-se de delito multitudinário, tarefa fundamental é a identificação pessoal do agente incitador ou manifestante do preconceito. Isso porque, o Código Disciplinar da Federação Internacional de Futebol prevê a exclusão do torcedor dos locais desportivos durante o período de 2 anos e penalmente é possível enquadra-lo no dispositivo do art. 20 da lei n. 7716/89. Neste artigo também pode ser denunciado o agente que ingressar nos estádios com símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou qualquer tipo de propaganda que reverencia a cruz suástica com o fim de divulgar os ideais nazistas, fato comum nos estádios europeus".

Ora, trazendo referidas lições aos casos em comento, entendo que no lamentável episódio envolvendo o brasileiro Dani Alves, restou cabalmente caracterizado o ilícito penal de racismo evidenciado justamente pelo lançamento da banana ter ocorrido em âmbito aberto, ou seja, em meio a milhares de torcedores. 

De igual modo, pode-se afirmar que os eventos em que figuraram na condição de vítimas, o ex-árbitro Márcio Chagas e o Atleta Tinga, são também exemplos da prática do crime de racismo. Isto porque ambos sofreram com palavras e gestos de cunho racista, oriundos das arquibancadas dos estádios onde exerciam suas respectivas profissões, tendo no caso do ex-árbitro Márcio Chagas, a consequente agravante de que encontrou seu veículo amassado e 'enfeitado' com bananas no escapamento, portas, teto e maçanetas.

Ato contínuo, o último caso a ser alvo de análise, se tivesse ocorrido em terra brasilis, sujeitaria o dono do Los Angeles Clippers a responder não pelo crime de racismo previsto na legislação especial, mas pelo crime de injúria racial encontrado no artigo 140 do Código Penal.

Inclino-me a posicionar nesse sentido, tendo em vista que a conversa se deu tão somente entre ele e sua assessora, frise-se, em local privado. Vale relembrar, de acordo com o que se tem disponível na mídia esportiva americana até o presente momento, que Donald permitiu a gravação da conversa, mas não sua divulgação, ainda alvo de grande mistério.

É interessante comentar que Donald Sterling já tem um enorme rol de injurias raciais cometidas em sua gestão enquanto mandatário do Los Angeles Clippers. O site MSN ESPORTES, apresentou a seguinte lista:

"Eu quero saber por que você acha que consegue treinar esses pretos" - frase dita a Rollie Massimino, potencial técnico dos Clippers, segundo o próprio contou ao dirigente Paul Phipps quando rejeitou a proposta de emprego.

"Olhe só esses lindos corpos negros" - segundo o antigo gerente-geral da franquia, Elgin Baylor, que ouviu isso de antigos jogadores quando Sterling levou uma mulher ao vestiário.

"Garotos negros pobres do sul do país jogando para um técnico branco" - frase que teria dito a Baylor sobre como seria o time ideal dos Clippers, publicada na revista ESPN dos EUA.

"Eu estou oferecendo muito dinheiro para o garoto negro pobre" - Baylor alegou que ouviu isso de Sterling, na negociação com o ex-jogador Danny Manning.

"Todos os negros desse prédio fedem, eles não são limpos. E é por causa dos mexicanos que só ficam sentados fumando e bebendo o dia inteiro. Então nós temos que tirá-los daqui" - frase que alegadamente Sterling teria dito a Summer Davenport, uma de suas supervisoras imobiliárias que cuidava dos apartamentos que o bilionário coloca para alugar. Davenport processou o dono dos Clippers por assédio sexual.

"Eu gosto de empregados coreanos e inquilinos coreanos" - frase supostamente dita por Donald Sterling a Dean Segal, antigo chefe de engenharia de um dos imóveis que pertencem a Sterling, em 2009.

"Eu não tenho que gastar mais dinheiro neles. Eles irão pegar qualquer condição que eu der para eles e ainda assim pagar aluguel, então eu ainda vou continuar comprando imóveis em Koreatown" - frase supostamente dita a Sumer Davenport.

Diante do exposto, vê-se que Sterling, muito provavelmente, para não dizer certamente, é um sujeito racista, mas que 'sabiamente' sempre se preocupou em manter sua opinião pessoal longe dos holofotes e, consequentemente, dos tribunais penais dos Estados Unidos. 

O mesmo, felizmente, não se pode falar dos outros envolvidos nos casos acima apresentados, pois, a partir de suas atitudes em um âmbito de comunicação aberta, evidenciaram suas repugnáveis posições ideológicas, no que puderam ser identificados e posteriormente responderem nas esferas cabíveis.

Por fim, mister ressaltar que o episódio ocorrido em Los Angeles em nada se assemelha aos que usualmente ocorrem em nosso país, haja vista que as palavras de cunho descriminatório partiram do dono da franquia (que faz as vezes de Presidente para o modelo associativo nacional) e não de torcedores desconhecidos presentes nas arquibancadas. 

Nesse particular, inegável que o nível de exigência e de postura a ser adotada por um Presidente de um clube popular, como são os Clippers, o qual,  através de uma simples entrevista pode vir a influenciar a opinião de seus torcedores (e muitas vezes seguidores), deverá ser muito maior do que a de um simples torcedor, fator esse que justifica, s.m.j., o merecimento de reprimenda mais severa por parte dos eventuais julgadores.

Assim, na expectativa de ter auxiliado a explicar a diferença entre os crimes de racismo ou injúria racial, despeço-me, desejando um ótimo final de semana aos leitores desse blog, que no corrente, completará quatro anos de permanente atividade.

Forte abraço!

FELIPE TOBAR