quinta-feira, 24 de julho de 2014

Aldo Rebelo e o hooliganismo

Foi lançado, recentemente, Hooliganismo e Copa 2014, importante obra de 176 páginas, organizada por Bernardo Borges Buarque de Hollanda, da FGV, e Heloisa Helena Baldy dos Reis, da UNICAMP, com prefácio de Aldo Rebelo, ministro dos Esportes.

Pois bem, este artigo não trata do excelente livro em si, mas tenta entender se Aldo Rebelo, realmente, compreende um pouco da história do hooliganismo, tema tratado na obra que ele prefacia.
Para começo de conversa, o ministro diz que a violência sempre cercou as práticas esportivas e cita uma confusão de graves proporções ocorrida, em 532, no hipódromo de Constantinopla como precursora do hooliganismo, termo do século XX que designa “atos vandálicos” de torcedores a partir da tragédia de Heysel, na Bélgica, em 1985, em um jogo entre o Liverpool, da Inglaterra, e o Juventus, da Itália. Aí 39 pessoas morreram e mais de uma centena ficaram feridas.
Em resposta a Rebelo, notamos que, na própria obra por ele prefaciada, há, no capítulo V, um artigo de Patrick Mignon, sociólogo e estudioso do hooliganismo, intitulado A emergência de uma questão: a torcida na França (1985-1998). Nele, se lê, na página 102, que, em termos genéricos, “Londres conhece, de fato, um verão de 1898 marcado por numerosas histórias sobre jovens de aparência particular, franja na testa, calça e paletós curtos, quepe redondo. Eles ocupam as esquinas, brigam com gangues de bairros diferentes, agridem pedestres. São equivalentes a apaches parisienses, e a imprensa londrina os batiza de hooligans”.
Na página seguinte, o mesmo autor se volta, especificamente, para os violentos no futebol com as seguintes palavras: “ohooligan reivindicado [para os torcedores violentos – nota minha] que aparece nas décadas de 1970 e 80 tenta se sofisticar e procura evitar os dispositivos policiais para procurar o confronto com a mesma elite hooligan que torce para outro time”.
Na página seguinte, o mesmo autor se volta, especificamente, para os violentos no futebol com as seguintes palavras: “ohooligan reivindicado [para os torcedores violentos – nota minha] que aparece nas décadas de 1970 e 80 tenta se sofisticar e procura evitar os dispositivos policiais para procurar o confronto com a mesma elite hooligan que torce para outro time”.
Aqui alguém poderia tentar dar razão ao ministro. Afinal, forçando um pouco a situação, 1985 não está tão longe da década de 70 e se insere na de 80. Pura ilusão. Heloisa Reis, citando Eric Dunning, destacado especialista no assunto, diz, mais uma vez ao contrário do ministro brasileiro, que “O hooliganismo teve origem na Inglaterra nos anos de 1960 [...]. Desde os finais da década de 1960 até aproximadamente a metade da década de 1990, ano em que foi celebrada a Copa do mundo da Itália, o hooliganismo foi considerado um problema social da Inglaterra” (p. 114).
Mais: na Introdução, lemos: “Como se sabe, os hooligans adquiriram visibilidade internacional a partir da Grã-Bretanha, em fins da década de 1960, logo após a realização da Copa do Mundo da Inglaterra. Também conhecidos como English disease – doença inglesa –, ao longo do decênio de 1970 seus atos virulentos foram copiados por torcedores de outros países e se difundiram pouco a pouco pela Europa continental. A sistematização da lógica de confrontos grupais juvenis ocorreu graças à regularidade das competições futebolísticas europeias, que permitiam encontros tanto em âmbitos clubísticos quanto em âmbito de selecionados nacionais” (p. 13).
Para encerrar, dizemos que os hooligans jamais podem ter surgido com força em 1985 (ano da tragédia de Heysel), uma vez que já eram estudados desde os anos de 1970, especialmente por marxistas que o ministro poderia, por afinidade ideológica, bem conhecer (cf. Luiz H. Toledo. Torcidas organizadas de futebol. Campinas: Autores Associados/Anpocs, 1996, p. 126). 
Passadas as preocupações com a Copa do Mundo, possa o ministro ler com mais vagar o livro que prefaciou e, certamente, verá que a sua linguagem sobre o hooliganismo é, no mínimo, um tanto confusa. 

Vanderlei de Lima é filósofo e pesquisador de torcidas organizadas de futebol.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Excelente exemplo da Dragões da Real (SPFC)

             A Dragões da Real (DDR) é uma torcida fundada, em 15 de junho de 1984, com a principal meta de apoiar, incondicionalmente, o São Paulo Futebol Clube, time nascido na capital paulista em 1935.
            Desde a sua fundação – salvo os primeiros anos após 1995 em que ocorreu a chamada “batalha campal no Pacaembu” – essa torcida não parou de crescer e, nos últimos anos, tem surpreendido, positivamente, também no Carnaval Paulista com uma respeitada Escola de Samba e, na sociedade em geral, por meio de exemplares campanhas sociais, bem como pela brilhante proposta de paz entre as organizadas levadas a cabo, especialmente, por André Azevedo, seu atual presidente.
            Considerando esses avançados trabalhos da DDR, o Projeto Toppaz (Torcida Organizada Pela Paz) propôs, mais de uma vez, que a Dragões completasse o seu interesse pela paz mudando também as formas de anunciar alguns de seus jogos, principalmente os clássicos e as demais partidas de grandes rivalidades.
A proposta da Toppaz é simples, mas muito significativa. Já foi apresentada, com detalhes, em um artigo publicado pela conceituada revista Síntese: Direito Desportivo n. 13, junho/julho de 2013, p. 208-220. Lá se afirma que a violência simbólica, às vezes exposta sob capa de brincadeira sadia, pode levar à violência física no ambiente futebolístico, especialmente, se o outro é visto não mais como mero rival, mas, sim, como inimigo a ser destruído.
Ora, na filosofia toppaziana, a partir do momento em que não se coloca o nome correto do rival e nem seu símbolo, passa-se da mera brincadeira sadia, que permeia o mundo futebolístico, para a violência simbólica e esta pode, consequentemente, levar a agressões ou mortes. Daí formularmos, no referido artigo da Síntese, quatro medidas práticas que, embora não eliminem a violência, cujas causas éticas e sociais são bem mais profundas, muito podem ajudar a minorá-las. Dentre as propostas, cabe destaque a de número 2 que diz: “O anúncio de jogo seja feito com o nome (e o símbolo, se houver) correto do time rival, ainda que este possa ser colocado com letras minúsculas ou o símbolo em tamanho menor do que o time anunciante da partida”.
Na prática, coloca-se, em nosso Estado: São Paulo x Corinthians; São Paulo x Palmeiras; São Paulo x Santos ou em ordem inversa quando aqueles times forem os mandantes. A mesma medida civilizada e civilizatória cabe para os jogos com os grandes rivais de outras unidades da nossa Federação.
            Essa norma, que, a princípio, parece ingênua, ajuda a formar, na cabeça do torcedor adolescente ou jovem, a ideia de que ele tem rivais, mas não inimigos ou caças a serem abatidas. É uma tentativa de se recuperar a ideia primeira do futebol moderno: civilizar os instintos humanos selvagens por meio da disputa sadia e dentro de regras – legais ou do simples bom-senso – a serem usadas, cada uma a seu modo, dentro e fora das quatro linhas.
            Aqui, alguém poderia dizer o seguinte: uma torcida organizada que age com civilidade é “fraca”, pois os torcedores precisam ser másculos de verdade e sair quebrando tudo para impor respeito ao adversário. Nada mais ignorante e irracional. Essa afirmação não resiste, por exemplo, às observações do médico psicoterapeuta Dr. Joaquim Motta, ao dizer que “um animal recorre à agressão quando está enfraquecido”. (...) “Reagimos com violência na vivência da fraqueza” (Gol, guerra e gozo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005, p. 23-24).
            Portanto, se a torcida Dragões da Real despreza a violência e cultiva a paz anunciando civilizadamente os jogos em suas redes sociais, ela não é mais fraca. Ao contrário, é mais forte e máscula do que aquelas outras torcidas que, eventualmente, acuadas pelo medo, apelam para a selvageria simbólica e física.       
Com essa nova forma de anunciar os jogos, colocando os nomes e símbolos corretos dos rivais, a Dragões da Real oferece um grandioso exemplo para o Brasil. Merece os parabéns de todos os que, realmente, prezamos a paz.


Vanderlei de Lima é filósofo e coautor do livro O protagonismo das torcidas organizadas na promoção da paz, Ed. do Autor, 2012. E-mail: toppaz1@gmail.com

sábado, 3 de maio de 2014

Racismo ou Injúria racial? Análise dos casos 'Clippers', 'Dani Alves', 'Márcio Chagas' e 'Tinga'.






Bom dia caros leitores,

As últimas semanas reservaram episódios lamentáveis envolvendo personalidades do meio esportivo no que se relaciona a prática(?) do racismo.


Nos EUA, os atletas da NBA fizeram notáveis protestos, assim como seus torcedores, levando cartazes e, por vezes, vestindo apenas trajes pretos (meias, shorts, camisas e bonés) em apoio aos negros no esporte americano, em especial, aos que disputam a forte liga de basquete.

Já no Brasil, foi lançada a campanha #SomosTodosMacacos, ao meu ver, de profundo mau gosto, recheado com um infeliz e desnecessário oportunismo midiático por parte de inúmeros atores 'globais' e, como era de se esperar, abraçado como uma virtuosa oportunidade de ganhar dinheiro com a venda de camisas personalizadas. 

Em síntese, esse é o resumo de ambos os acontecimentos, para não me estender muito.

Como todos sabem esse é um espaço virtual jus-desportivo que não se atém aos fatos e parcos comentários, mas à análises jurídicas que traduzam o que os atos cometidos significam para o direito e, quando necessário, quais as eventuais conseqüências que poderão surgir para os infratores.

Isso posto, como visto, a palavra 'racismo' dominou os noticiários esportivos a partir dos casos registrados na Espanha, nos Estados Unidos e também no Brasil e no Peru, respectivamente, com o ex-árbitro Márcio Chagas e o volante Tinga.

Mas será que todos estes casos efetivamente tratam-se do ilícito penal denominado 'racismo'?

Para responder a essa importante questão valho-me do saber de Leonardo Schmitt de Bem, Doutor em Direito Penal pela Universidade de Milão e autor do Livro: Direito Penal Desportivo: Homicídios e Lesões no Âmbito da Prática Desportiva, deveras indispensável para os que querem atuar na seara do Direito Desportivo.

Diz o amigo e especialistas na matéria, que "o crime de injuria qualificada - artigo 140, §3o do CP, protege a honra subjetiva de qualquer pessoa em relação ao sentimento que ela tem a respeito de seus atributos físicos, intelectuais e morais, etc., e consiste na ofensa irrogada pelo agente com a intenção de desqualificar a vítima em virtude de sua raça, etnia, religião, cor, ou pelo fato de ser idosa ou portadora de deficiência. Por expressa previsão legal a ação penal somente é iniciada por vontade do ofendido, sendo inadmissível a retratação, configurada, muitas vezes, pelo simples pedido de desculpas. Trata-se de injusto culpável prescritível e afiançável.

Por sua vez, "O ilícito especial - racismo - artigo 20 da lei n. 7716/89, alarga o campo de proteção penal tutelando o tratamento igualitário entre as pessoas. Proíbe, assim, o induzimento e a incitação, bem como a prática da discriminação ou preconceito relativo à raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional de qualquer pessoa. Tem-se um crime independente da vontade da vítima para inicio da persecução criminal e que, por imperativo constitucional, é considerado imprescritível e, também, inafiançável nas hipóteses de prisão em flagrante.

Daí surge a fundamental pergunta: Como proceder a distinção entre os dois tipos penais?

O citado autor entende que "deve ser realizada avaliando o âmbito de comunicação em que a ação ofensiva foi realizada. Assim, se fechada: injúria; quando aberta: racismo".

Nesse sentido, De Bem, nos fornece exemplos para melhor avaliação e verificação de sua afirmação:

"Durante encontro envolvendo time nacional e outro argentino válido pela Libertadores, um jogador portenho ofendeu a dignidade ou o decoro do atleta brasileiro, afirmando ser este um macaco (alusão ao fato do jogador brasileiro ser negro). Em outro episódio, apenas entre times nacionais e pelo certame gaúcho, após expulsão da partida um atleta passou o dedo sobre seu braço referindo-se à diferença de sua cor (branca) para com a do jogador adversário (negra). (...) Respeitadas as opiniões contrárias, entendo que no primeiro caso a ofensa foi pratica num âmbito de comunicação fechada entre os dois envolvidos, isto é, aquela produzida ao "pé do ouvido", objetivando prejudicar a atuação do adversário, caracterizando, desta forma, a injuria qualificada no CP. No segundo caso, embora o ofensor tenha manifestado sua conduta na presença e em desfavor do oponente em razão de um lance de jogo, com o gesto quis evidenciar a superioridade de sua cor (branca), em detrimento a do oposto (negra) e, assim, deixou de tratar de forma igualitária não apenas o adversário, mas todos os demais jogadores, inclusive os colegas de agremiação (comunicação aberta)".

Ressalta o estudioso, com o que concordo integralmente, "que o problema se agrava quando sai do campo do jogo e alcança as arquibancadas. Quer em locais nacionais ou no exterior ouvem-se cânticos racistas identificando atletas adversários como macacos. Logo, como punir estes torcedores?" 

Leonardo, explica: "Tratando-se de delito multitudinário, tarefa fundamental é a identificação pessoal do agente incitador ou manifestante do preconceito. Isso porque, o Código Disciplinar da Federação Internacional de Futebol prevê a exclusão do torcedor dos locais desportivos durante o período de 2 anos e penalmente é possível enquadra-lo no dispositivo do art. 20 da lei n. 7716/89. Neste artigo também pode ser denunciado o agente que ingressar nos estádios com símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou qualquer tipo de propaganda que reverencia a cruz suástica com o fim de divulgar os ideais nazistas, fato comum nos estádios europeus".

Ora, trazendo referidas lições aos casos em comento, entendo que no lamentável episódio envolvendo o brasileiro Dani Alves, restou cabalmente caracterizado o ilícito penal de racismo evidenciado justamente pelo lançamento da banana ter ocorrido em âmbito aberto, ou seja, em meio a milhares de torcedores. 

De igual modo, pode-se afirmar que os eventos em que figuraram na condição de vítimas, o ex-árbitro Márcio Chagas e o Atleta Tinga, são também exemplos da prática do crime de racismo. Isto porque ambos sofreram com palavras e gestos de cunho racista, oriundos das arquibancadas dos estádios onde exerciam suas respectivas profissões, tendo no caso do ex-árbitro Márcio Chagas, a consequente agravante de que encontrou seu veículo amassado e 'enfeitado' com bananas no escapamento, portas, teto e maçanetas.

Ato contínuo, o último caso a ser alvo de análise, se tivesse ocorrido em terra brasilis, sujeitaria o dono do Los Angeles Clippers a responder não pelo crime de racismo previsto na legislação especial, mas pelo crime de injúria racial encontrado no artigo 140 do Código Penal.

Inclino-me a posicionar nesse sentido, tendo em vista que a conversa se deu tão somente entre ele e sua assessora, frise-se, em local privado. Vale relembrar, de acordo com o que se tem disponível na mídia esportiva americana até o presente momento, que Donald permitiu a gravação da conversa, mas não sua divulgação, ainda alvo de grande mistério.

É interessante comentar que Donald Sterling já tem um enorme rol de injurias raciais cometidas em sua gestão enquanto mandatário do Los Angeles Clippers. O site MSN ESPORTES, apresentou a seguinte lista:

"Eu quero saber por que você acha que consegue treinar esses pretos" - frase dita a Rollie Massimino, potencial técnico dos Clippers, segundo o próprio contou ao dirigente Paul Phipps quando rejeitou a proposta de emprego.

"Olhe só esses lindos corpos negros" - segundo o antigo gerente-geral da franquia, Elgin Baylor, que ouviu isso de antigos jogadores quando Sterling levou uma mulher ao vestiário.

"Garotos negros pobres do sul do país jogando para um técnico branco" - frase que teria dito a Baylor sobre como seria o time ideal dos Clippers, publicada na revista ESPN dos EUA.

"Eu estou oferecendo muito dinheiro para o garoto negro pobre" - Baylor alegou que ouviu isso de Sterling, na negociação com o ex-jogador Danny Manning.

"Todos os negros desse prédio fedem, eles não são limpos. E é por causa dos mexicanos que só ficam sentados fumando e bebendo o dia inteiro. Então nós temos que tirá-los daqui" - frase que alegadamente Sterling teria dito a Summer Davenport, uma de suas supervisoras imobiliárias que cuidava dos apartamentos que o bilionário coloca para alugar. Davenport processou o dono dos Clippers por assédio sexual.

"Eu gosto de empregados coreanos e inquilinos coreanos" - frase supostamente dita por Donald Sterling a Dean Segal, antigo chefe de engenharia de um dos imóveis que pertencem a Sterling, em 2009.

"Eu não tenho que gastar mais dinheiro neles. Eles irão pegar qualquer condição que eu der para eles e ainda assim pagar aluguel, então eu ainda vou continuar comprando imóveis em Koreatown" - frase supostamente dita a Sumer Davenport.

Diante do exposto, vê-se que Sterling, muito provavelmente, para não dizer certamente, é um sujeito racista, mas que 'sabiamente' sempre se preocupou em manter sua opinião pessoal longe dos holofotes e, consequentemente, dos tribunais penais dos Estados Unidos. 

O mesmo, felizmente, não se pode falar dos outros envolvidos nos casos acima apresentados, pois, a partir de suas atitudes em um âmbito de comunicação aberta, evidenciaram suas repugnáveis posições ideológicas, no que puderam ser identificados e posteriormente responderem nas esferas cabíveis.

Por fim, mister ressaltar que o episódio ocorrido em Los Angeles em nada se assemelha aos que usualmente ocorrem em nosso país, haja vista que as palavras de cunho descriminatório partiram do dono da franquia (que faz as vezes de Presidente para o modelo associativo nacional) e não de torcedores desconhecidos presentes nas arquibancadas. 

Nesse particular, inegável que o nível de exigência e de postura a ser adotada por um Presidente de um clube popular, como são os Clippers, o qual,  através de uma simples entrevista pode vir a influenciar a opinião de seus torcedores (e muitas vezes seguidores), deverá ser muito maior do que a de um simples torcedor, fator esse que justifica, s.m.j., o merecimento de reprimenda mais severa por parte dos eventuais julgadores.

Assim, na expectativa de ter auxiliado a explicar a diferença entre os crimes de racismo ou injúria racial, despeço-me, desejando um ótimo final de semana aos leitores desse blog, que no corrente, completará quatro anos de permanente atividade.

Forte abraço!

FELIPE TOBAR

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Torcedor dos 49ers move ação indenizatória contra a NFL por não poder ter tido a chance de adquirir ingressos para partida contra os Seahawks



Salve, salve caros leitores!

O post de hoje se baseia em notícia oriunda do Estado de Nevada, nos Estados Unidos, que pode ser acessada ao clicar no link a seguir: http://espn.go.com/nfl/story/_/id/10848148/san-francisco-49er-fan-sues-nfl-50m-seattle-seahawks-playoff-tickets

A notícia nos conta que um torcedor do San Francisco 49ers ajuízou ação indenizatória no valor de US$ 50.000,00 contra a NFL, em razão de que a comercialização dos ingressos, via cartão de crédito, para a partida final da Conferência Nacional disputada em Seattle, em janeiro de 2014, fora territorialmente restringida para os cidadãos que possuem cartões de crédito emitidos nos Estados americanos de Washington, Oregon, Montana, Idaho, Alaska e Hawaii e nas províncias canadenses de British Columbia e Alberta.

O torcedor argumenta que a prática adotada significou clara violação a Lei Federal contra a Fraude ao Consumidor e também aos costumes adotados no mercado, pelo que alega ter sofrido 'discriminação econômica' e 'violação por impedimento de acesso a local público'.


Trasladando referido caso ao enfoque jurídico nacional, estaria o torcedor dos Niners protegido contra a prática adotada pela NFL?



Compulsando a Lei 8078/90, mais conhecida como 'Código de Defesa do Consumidor', os artigos 6º, II e IV  e 14, §1º e seu inciso I, parecem responder afirmativamente em direção aos interesses do consumidor do Estado de Nevada, senão vejamos:



Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
     
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

Ora, resta claro que com a delimitação territorial do âmbito de venda dos tickets, imposta pelos organizadores daquela importante partida, consequentemente esvaziou-se por completo a indispensável isonomia que deveria imperar entre os consumidores que desejavam adquirir os ingressos colocados a venda.

Consumidores estes, importante destacar, que pertencem não só a específicos Estados dos EUA e Canadá, mas ao mundo inteiro! Isto porque as partidas da National Football League há tempos são de âmbito mundial. 

Prova maior é que uma vez por temporada, duas equipes disputam uma partida oficial da Liga no estádio Wembley, em Londres, Inglaterra.

'Abrasileirar' a situação em que Williams, o torcedor da franquia que possuiu o melhor QB da história da Liga, Joe Montana, seria o mesmo que, por exemplo, a CBF viesse a estipular em seu Regulamento Geral das Competições, a previsão de que somente cidadãos dos Estados pertencentes à sede dos clubes a ela filiados, pudessem adquirir ingressos para as partidas das respectivas séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro.

É dizer, hipoteticamente, que o Grêmio não poderia disponibilizar ingressos para torcedores tricolores que residem em Santa Catarina ou em outro Estado que não o Rio Grande do Sul, para assistirem partidas realizadas na Arena Grêmio, em Porto Alegre. 

Ato contínuo, ainda que no caso americano houvera a extensão para quase 10 Estados próximos do Estado de Washington, sede dos Seahawks, inclusive dois pertencentes ao país vizinho, Canadá, há de se concordar que a comentada conduta infringe ferozmente o conjunto principiológico entabulado no CDC, criado, sobretudo, para proteger os interesses dos consumidores frente à situações prejudiciais como a tratada no presente post.

Logo, chega-se a conclusão de que se o ato protagonizado pela NFL, que impediu a mera possibilidade de milhares de outros torcedores adquirirem ingressos para partida entre 49ers e Seattle, pertencente a modalidade mais popular dos Estados Unidos, ocorresse também no Brasil, seja com a modalidade Futebol, ou mesmo com o Futebol Americano que, frise-se, vem crescendo exponencialmente em qualidade de atletas e coachs e quantidade de fãs, seria muito provavelmente alvo de condenação no judiciário pátrio, especialmente em virtude da responsabilidade objetiva prevista no artigo 14 acima transcrito. 

Por outro lado, certamente avistaríamos um montante condenatório não tão expressivo como o requerido pelo torcedor americano.

Derradeiramente, vale lembrar a possibilidade de indenização ao torcedor pela perda de uma chance (do ato da compra do ingresso), instituto de origem francesa com forte influência italiana e hodiernamente regulado pelo Código Civil em nosso ordenamento jurídico.


Forte abraço e fiquem com Deus!

FELIPE TOBAR.

sábado, 19 de abril de 2014

“A responsabilidade civil e desportiva da Associação Portuguesa de Desportos em decorrência dos fatos ocorridos na Arena Joinville”.


Caríssimos leitores!

 Muito já se falou acerca da responsabilidade desportiva da Associação Portuguesa de Desportos em razão do abandono do campo de jogo por parte de seus atletas e membros da comissão técnica, quando apontavam exatos 17 minutos do primeiro tempo da partida disputada contra o Joinville Esporte Clube, no Estádio Arena Joinville, válida pela primeira rodada do ‘Campeonato Brasileiro Chevrolet Série B’ de 2014.

É também de conhecimento geral que a quarta força do futebol da capital paulista, será denunciada pelo Procurador Geral do STJD, Dr. Paulo Schmitt, com vistas a responder nas malhas do artigo 205 do CBJD, o qual trata da hipótese de impedimento de prosseguimento de partida, podendo vir a sofrer pena de multa pecuniária, perda dos pontos em favor do adversário e até exclusão do campeonato, desde que nessa última hipótese, reste configurado prejuízo desportivo à terceiro(s).

Isso posto, a presente postagem passará a tratar pormenorizadamente sobre o instituto da responsabilidade civil e sua ligação com o abandono do relvado registrado na data de ontem, na cidade de Joinville.

Pois bem.

Quando fatos considerados danosos são registrados no desenrolar de um espetáculo esportivo como é uma partida de futebol, compulsando a letra da lei, in casu, do Estatuto de Defesa do Torcedor, a responsabilidade civil será do clube mandante e do organizador da competição, em sua forma objetiva – independente de culpa -, e solidária. (cf., arts. 14 e 19 da Lei 10.671/2003)

Contudo, é preciso destacar, que referido cenário comporta exceções. Tratam-se das denominadas excludentes de responsabilidade (‘culpa ou fato exclusivo da vítima’; ‘caso fortuito e força maior’ e; ‘fato exclusivo de terceiro’) previstas no ordenamento jurídico pátrio, as quais, uma vez configuradas no caso em concreto, produzem eficazes efeitos para afastar o dever de reparar eventuais danos morais ou materiais (emergentes e lucros cessantes) aos sujeitos que, por ventura, se sentiram lesados.

Daí que com o apoio de tais informações, resta inequívoca a caracterização de um ‘fato exclusivo de terceiro’, refletido na  saída dos jogadores da Portuguesa do gramado da Arena Joinville, o que por si só, possui força suficiente para isentar o clube mandante (Joinville Esporte Clube) e o organizador da competição (Confederação Brasileira de Futebol) de qualquer responsabilidade civil.

Logo, por análise consequencial lógica, o sujeito que desejar ajuizar ação junto ao Poder Judiciário para reclamar seus direitos enquanto verdadeiro consumidor do esporte, deverá acionar diretamente a equipe do Canindé, justamente por ter sido ela única responsável pelo inusitado e lamentável episódio danoso.

 Referida ação de cunho indenizatório, por sua vez, somente alcançará êxito, se preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil objetiva, haja vista que o caso em comento notadamente versa sobre relação de consumo, atraindo assim a proteção tanto do Estatuto de Defesa do Torcedor, como do código consumerista.

Assim, consoante expressa disposição legal, sabe-se que em se tratando de responsabilidade civil objetiva, a fim de legitimar a arguição e conseqüente compensação dos danos morais e materiais devidos, se mostra obrigatório a comprovação da conduta do(s) agente(s), do dano ocasionado e do nexo de causalidade, dispensada a aferição de culpa.

Ora, a conduta (ato ilícito) levada a cabo pela Associação Portuguesa de Desportos, está devidamente configurada no abandono dos atletas e membros da comissão técnica do campo de jogo, o que, frise-se, se agrava em demasia justamente por ter sido realizado com amparo em ordem judicial emanada por juízo incompetente (oriundo da 3ª Cível do Foro Regional da Penha, SP, Capital), tendo em vista que semanas antes o Superior Tribunal de Justiça, pela lavra do Ministro Sidnei Agostinho Beneti, determinara a concentração de todas as ações, inclusive as futuras, do caso ‘Lusa – STJD’, junto à 2ª Vara Cível do Fórum da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. 

Rapidamente, abro aqui um parênteses para comentar que, enquanto redijo esse artigo, a determinação acima, oriunda do STJ, fora confirmada minutos atrás pelo mesmo Ministro em despacho que oportunamente cassou a liminar obtida pelo torcedor da Portuguesa.

 Veja aqui: http://www.stj.jus.br/portal_stj/ - Procure na sessão Processo por: 2014/0088199-1

 Em ato contínuo denota-se sem dificuldades a existência de danos que atingiram a esfera moral e/ou patrimonial de específicos sujeitos.

Nesse particular, primeiramente, cito aqui os torcedores, que frustrados, pagaram determinado valor pecuniário pelo ingresso adquirido e não puderam acompanhar a integralidade da partida. 

É preciso lembrar que muitos certamente deixaram de viajar em pleno feriado santo para assistirem a partida ‘in loco’,  no que vieram a prejudicar planos previamente traçados com seus familiares, aumentando assim os danos morais sentidos.

O mesmo direito se estende aos torcedores que acompanhariam os noventa minutos da partida pelo sistema 'pay-per-view', podendo, nessa hipótese, requererem além de indenização por danos morais, o valor proporcional que é pago pela compra da transmissão da partida.

Portanto, em análise superficial,  aos torcedores do Joinville Esporte Clube, cabe ajuizar contra a Portuguesa, a respectiva ação indenizatória por danos morais – em razão da frustração inerente ao abandono da partida e sua parcial realização - e materiais, estes refletidos no pedido de ressarcimento de valor integral ou parcial do ingresso adquirido.

Em segundo lugar, lembro-vos dos populares ambulantes e, especialmente, dos donos dos bares instalados no interior da Arena Joinville, que compraram considerável quantidade de alimentos e bebidas para venderem, sobretudo, no intervalo de jogo.

Em razão disso, poderão também ajuizar ação ordinária requerendo indenização por danos morais em decorrência da frustração de sequer poderem comercializar seus produtos na forma usual e, quiçá pelo imediato desespero enfrentado, posto que aquela altura já se preocupavam com o iminente prejuízo financeiro.

 Outrossim, devem requerer o ressarcimento dos danos materiais, em especial, dos lucros cessantes, ou seja, do que efetivamente deixaram de lucrar em decorrência do lamentável episódio, apresentando ao juízo, por exemplo, a média aritmética do valor usualmente auferido com a venda dos produtos comercializados nos dias de jogos.

Por fim, e a modo de conclusão, é preciso destacar que, a até então querida Associação Portuguesa de Desportos, com a infeliz ‘debandada’ de seus atletas do campo de jogo em pleno primeiro tempo de partida,  tenha talvez inaugurado na história do futebol brasileiro, e certamente, desde a promulgação do Estatuto de Defesa do Torcedor em 2003, o primeiro registro de um precedente de excludente de responsabilidade ocasionado por um clube visitante em competições esportivas.

Ou seja, enquanto os fãs do futebol brasileiro se entristecem com a saída prematura do gramado por parte dos atletas da Portuguesa, a doutrina especializada certamente agradece!

   Abraços e fiquem com Deus!


   FELIPE TOBAR


Foto: Mister Shadow/ Sigma Press / Gazeta Press. Extraído do website http://esportes.terra.com.br/portuguesa/cbf-promete-processar-juiza-que-deu-liminar-a-portuguesa,ee475ff3a1b75410VgnVCM3000009af154d0RCRD.html

domingo, 6 de abril de 2014

A expulsão de torcedores do Flamengo na Arena Amazônia

Caros leitores,

Depois de longo período de tempo afastado das postagens desse espaço jusdesportivo virtual, volto a escrever com o objetivo de periodicamente trazer aos amigos, novos estudos e discussões inerentes ao Direito Desportivo.

Desta vez, infelizmente, trago à baila o ocorrido na Arena Amazônia durante partida entre Vasco e Resende, válida pela Copa do Brasil de 2014, onde, em inegável desrespeito ao próximo, registrou-se o atraso social enfrentando pela sociedade brasileira.

Os vídeos (que devem ser vistos para compreensão do presente post), cujos links se encontram ao final dessa postagem, nos comprovam ao menos duas hipóteses exaustivamente levantadas entre os estudiosos da violência esportiva.

A primeira é que a construção de novos e, portanto, modernos estádios não resolverá o problema da violência física e moral entre torcedores.

Nesse sentido,  esperava-se, a partir de considerável alteração das instalações físicas dos estádios, ou seja, com a inserção de um conceito mercadológico onde os torcedores seriam tratados como consumidores de um evento esportivo de qualidade, clara mudança comportamental dos torcedores, que inseridos em um novo ambiente, passariam a se comportar 'adequadamente' aos olhos das autoridades envolvidas no processo organizacional de uma partida de futebol. 

Porém, como visto no vídeo, tal hipótese esta longe de se concretizar.

A segunda hipótese está calcada no fato de que os sinais de involução da sociedade que semanalmente verificamos nas praças esportivas brasileiras, como por exemplo, a impossibilidade de conviver com as diferenças (apreços clubísticos diametralmente opostos), não afetam somente determinados membros das criticadas torcidas organizadas, mas também os famosos 'cidadãos de bem', estes sempre com poder aquisitivo considerável e, consequentemente, 'blindados' de receberem críticas. 

Notem nobres leitores, tamanho o atraso secular de respeito ao próximo existente entre os brasileiros, é que nesse episódio os 'stewards' (sujeitos com vestimentas coloridas em ambos os vídeos) foram obrigados a retirar os torcedores flamenguistas das arquibancadas, sob pena dos mesmos sofrerem agressões físicas. 

 Enquanto isso ocorria, os torcedores vascaínos que estavam ao redor ou mesmo filmando o episódio, comemoraram a retirada de ambos os torcedores, como se estivessem vibrando um gol rubro-negro. 

Em verdade, não há nada o que comemorar! 

Em suma, precisamos lamentar, refletir, criticar e consequentemente reclamar às nossas autoridades pela imediata mudança de comportamento nos estádios do país, até porque o correto à luz da legislação aplicável e também do bom-senso, seria a retirada imediata dos torcedores vascaínos que iniciaram a confusão, ainda que com a utilização de força de segurança (privada ou pública).

Mais do que a mudança física proporcionada pelas novas arenas, há que se exigir a mudança comportamental dos torcedores, fator este que somente virá com a adoção de medidas que atinjam a raiz do problema e, não com meros paliativos como bem gostam de realizar as autoridades brasileiras. 

Sugiro, com amparo nas práticas ocorridas nos Estados Unidos da América e com o que se tentou fazer na Argentina, a inserção obrigatória dos pulmões de convivência, local que será compartilhado por torcedores de equipes adversárias, em que será livre o comemorar e proibida a repressão e a consequente violência física ou moral entre os torcedores.

Um abraço!

FELIPE TOBAR

Vídeos:

(1) https://www.facebook.com/photo.php?v=668825363183833

(2)

Filmado por Daniel Costa.

sexta-feira, 14 de março de 2014

O exemplo de Lucas, ex-torcedor organizado



            Conheci o Lucas (nome fictício) pela internet, em minhas pesquisas sobre Torcidas Organizadas, e, meses depois, pessoalmente, na reunião que fiz com sua torcida para falar da importância da paz nos estádios e fora deles.
            Aliás, essa é uma luta incansável minha e de meu amigo Felipe Tobar, de Joinville (SC): demonstrar que a sadia rivalidade pode coexistir com o respeito recíproco entre pessoas civilizadas e que ser rival não é, de modo algum, ser inimigo a ponto de chegar a agredir, roubar ou mesmo matar o semelhante apenas porque ele torce pra um time diferente daquele que você, prezado leitor, escolheu.
            Não sei como o conteúdo da reunião penetrou na mente e no coração de Lucas. Nunca ele me disse nada e nem eu lhe perguntei. No entanto, com a experiência de vários anos atuando nesse meio, se eu tivesse de oferecer duas palavras para definir aquele jovem diria: de bom coração, mas, ao mesmo tempo, muito decidido.
            Explico melhor: Lucas não é um psicopata ou alguém sem sentimentos. Ao contrário é uma pessoa boa, boníssima, capaz de ajudar em campanhas sociais, doar algo que lhe pertence para socorrer o próximo necessitado, ter carinho para com os animais etc. Contudo, ele é também o tipo de homem que não se brinca em vão. Se mexer tem resposta. E resposta dura, na pancada. Daí eu usar o adjetivo decidido para defini-lo.
            Ficamos amigos. Tive apreço pela clareza e humildade com que Lucas se expressava nas nossas longas conversas. Ele também confiou na minha amizade e nos meus trabalhos. Desse modo, foi possível conhecê-lo melhor e confirmar aquilo que eu pensara e definira no primeiro contato pessoal.
            Meu novo amigo entrou para a Torcida Organizada com 14 para 15 anos. Logo se enturmou e aprendeu a brigar na sua cidade ou nas viagens que fazia junto aos demais torcedores que acompanhavam o time para outras localidades nos campeonatos estadual ou nacional. Não chegou a ser diretor, mas ganhou respeito de todos e logo passou a puxar bonde (ser responsável pelo grupo de torcedores organizados do seu bairro que ia para o estádio).
            Junto a outros rapazes enfrentou várias brigas (pistas) batendo e apanhando dos rivais, como é normal, mas sempre tentando defender a honra de sua torcida organizada. Passou também a fumar cigarro diariamente, a beber e usar algum tipo de drogas, embora não abandonasse o emprego, os estudos, a família e a namorada.
            Para resumir essa fase da vida de Lucas é preciso dizer que, acostumado com confrontos covardes nos quais tiros, pedras, pedaços de madeiras, barras de ferro eram comuns, sua glória foi enfrentar uma grande torcida cujos membros só brigavam na mão e não batiam em quem já estava no chão. Sua decepção, no entanto, foi nesse mesmo dia de glória, pois a polícia o fichou e reteve seus documentos. Lucas ainda era menor de idade na época e por isso saiu livre da delegacia.
            Seu gosto pela torcida, seja na bancada, seja na pista, não decresceu, mas, ao contrário, parecia aumentar a cada dia até que o inesperado veio: em um dos dias no qual o decidido rapaz não pode ir ao jogo, sua torcida, numa briga, matou um membro da torcida rival. Aquilo lhe pareceu demais. Morreu o outro, mas poderia ser ele.
            Decidiu empreender uma mudança lenta, mas decidida, bem de acordo com sua personalidade, em sua vida, pois percebeu que as brigas não levam a nada, salvo a boletins de ocorrências, delegacias e até prisões cujo resultado é sempre o nome sujo para uma futura evolução profissional e nada mais.
A pista, nessa fase de mudança, já estava no passado na vida de Lucas, ainda que sua disposição, em uma emergência, seja a mesma de sempre: trocar para vencer e nunca para levar a pior do inimigo. Contudo, note-se a grande evolução. Antes ele saia procurando confusão. Agora só se defende se precisar ou, se possível, busca dialogar com o caçador de encrencas.
Tempos depois, nosso amigo abandonou integralmente a vida de torcedor organizado e passou a ir aos jogos do seu time como torcedor comum ou “povão”, segundo se fala nesse meio. A intenção era, ao contrário de antes, apenas apoiar o clube sem se preocupar com os rivais.
Alguns meses depois, esse jovem já se desligara totalmente daquela vida de antes. Decidiu outro passo importante: parar de fumar cigarro e de usar maconha. Enfim, era um novo homem que ali estava disposto a progredir cada vez mais pensando em Deus (voltou a ir à igreja), na família (passa mais tempo com os pais), no futuro pessoal (seu namoro vai bem e os exercícios na academia também) e profissional (conta com um bom trabalho).
O exemplo de Lucas serve para muitos adolescentes e jovens que se encontram na mesma situação. Ele demonstrou que é possível mudar de vida sem deixar de ser um valente guerreiro cheio de disposição para a vida, mas fora da busca de brigas por time ou torcida. Ele está feliz em seu novo caminho e estará cada vez mais, com a graça de Deus.

            
         Texto: Vanderlei de Lima