Apesar do evento-teste realizado no jogo entre Fortaleza e Ceará não ter o item de segurança testado, estiveram em evidência as questões ligadas à violência.
O clássico teve três mil torcedores a menos na comparação ao anterior, disputado em 17 de março. Contudo, o evento de ontem teve quase o triplo de detidos: 184. Grande parte era de torcedores envolvidos em confrontos entre as duas torcidas ao longo da avenida Dedé Brasil.
Um total de 104 pessoas foram encaminhadas ao Juizado do Torcedor na própria Arena Castelão. Outros 80, adolescentes, chegaram ao local mas foram levados à Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA), no bairro São Gerardo, para o registro de Boletim de Ocorrência (BO).
“Vandalismo e desordem. Essas pessoas estavam tentando se confrontar jogando paus e pedras. A tolerância é zero, por isso culminou nessas prisões”, enfatizou o comandante da Companhia Independente de Policiamento de Eventos (Cipe), major George Benício.
Desses números apresentados pela Polícia, apenas dois torcedores, que portavam pequena quantidade de cocaína, foram detidos dentro da própria Arena Castelão. A revista ocorreu em um dos banheiros do estádio. Os demais foram flagrados no entorno do estádio, no raio de 5km que abrange a atuação do Juizado.
Fonte: Lancenet - (Lucas Catrib)
COMENTÁRIOS:
Prezados leitores,
As duas mortes e as inúmeras brigas registradas entre 'torcedores' das equipes Fortaleza e Ceará, a quatro quilômetros de distância do Estádio Castelão, conforme se pode verificar seja através da notícia acima destacada, como do vídeo a seguir disponibilizado, ensejam a discussão de importantes questionamentos jurídicos,
especialmente no que compete ao âmbito de responsabilidade civil dos
organizadores do clássico ‘Rei’, in casu, Fortaleza Esporte Clube e Federação
Cearense de Futebol.
Vejamos. O artigo 13 do Estatuto do
Torcedor dispõe que o torcedor tem o direito a segurança nos locais onde venham
a ser disputados eventos esportivos, antes, durante e depois do apito final do
árbitro. Por sua vez, o artigo 14
determina que a responsabilidade pela segurança do
torcedor no evento desportivo pertence a entidade de prática esportiva que for
considerada mandante da partida, bem como a seus dirigentes. Ato contínuo, o
art. 19, estabelece que as entidades responsáveis pela organização da competição
e seus dirigentes respondem solidariamente com a entidade e os sujeitos acima
citados, independentemente da existência de culpa, por eventuais prejuízos
ocasionados aos torcedores que sejam resultado de falhas no serviço de
segurança nos estádios.
A partir
disso compreende-se que “a intenção foi de determinar a responsabilidade do
clube com o mando da partida e do organizador, não em função do momento em que
venha a ocorrer o dano, senão que em função do local, ainda que antes ou depois
da partida”[1].
Sem dúvidas, estamos diante de uma obrigação
de resultado, onde se exige dos organizadores, manter a incolumidade do
espectador do evento antes, durante e depois do desenvolvimento da pugna
esportiva. Nesse sentido, “se o Estatuto
de Defesa do Torcedor em seu artigo 39,§1º, para punir torcedores, considera atos
em uma distancia de cinco mil metros do ‘local do evento desportivo’,
analogicamente, se deverá também entender dita previsão, como local do evento
para fins de responsabilidade civil do clube mandante, do organizador e de seus
respectivos dirigentes”[2].
Referido âmbito espacial de
responsabilidade não só vem sendo tema de criticas por parte da doutrina, mas
também por decisões de determinados tribunais de justiça, já que viola ferozmente
o princípio constitucional da proporcionalidade, pois, se levássemos a cabo a disposição
do Estatuto do Torcedor, os clubes e organizadores, viriam a responder por
episódios isolados, ou seja, até cinco mil metros de seus estádios, muito longe
de suas jurisdições.
Em virtude disso, os efeitos que
surgirem na esfera civil em razão do episódio registrado no último domingo na
cidade de Fortaleza (Ceará), data máxima vênia, não devem ser imputados aos
organizadores daquele clássico. Curiosamente, no último mês de dezembro de
2012, escrevi para a revista peruana de Direito Desportivo, Philos Iuris,
artigo denominado “La responsabilidad civil en los espectáculos deportivos de
fútbol: un análisis en relácion a las conductas de los organizadores,
espectadores y efectivos de seguridad estatales”, onde a nível doutrinário,
imaginei um exemplo idêntico, todavia, com a existência de agremiações
distintas, senão veja-se:
“Planteemos un ejemplo: “Gremio y
Internacional van a disputar la ultima ronda del Campeonato Brasileño de
Futbol, en el Estadio Olímpico Monumental, en la ciudad de Porto Alegre. Horas
antes del partido, las dos barras bravas, se enfrentan a más de 4 mil metros de
distancia del estadio de Gremio y allí muchos torcedores quedan heridos. Por la
estricta aplicación de la ley aunque el Gremio (equipo local) no tenia
conocimiento de dicha pelea, los hinchas heridos podrían accionar la justicia,
aunque muy probablemente la culpa o hecho de la victima allí se aplicaría. Por
otro lado, si por esa pelea resultase vehículos hurtados o damnificados, los
organizadores, serian considerados civilmente responsables solidarios[3]
por tales daños, pues la brutalidad solo ha sido creada en virtud de que en
aquel día habría un partido organizado por ellos mismos.
Por tais circunstancias, que
inegavelmente se amoldam ao caso em discussão, ao meu entender, deveriam os
organizadores responderem somente pelo âmbito espacial que estejam sob seus
controles, como, por exemplo, uma distância razoável de cem metros até um quilômetro,
ou quando muito relevante o evento em questão, por até no máximo dois
quilômetros de distância[4]
do estádio, o que se reforça pelos trajetos/marcações comuns de isolamento realizados
(quando realizados) pelos efetivos de segurança nos dias de partidas, com
vistas a controlar o acesso de torcedores que possuem entradas válidas[5].
Entender em sentido contrario, se apresenta
como uma tremenda injustiça, posto que se configuraria uma obrigação de
cumprimento impossível, tanto fática como juridicamente, o que infelizmente acaba
ainda por demonstrar a má vontade do Estado, o qual, por sua vez, somente transmite
(e não divide à luz da letra da lei) importantes responsabilidades às entidades
de prática e organização desportiva.
Oportuno lembrar que as vítimas dos prejuízos materiais registrados (carros apedrejados), poderão, com amparo no artigo 39-B do Estatuto do Torcedor[6],
responsabilizar de forma objetiva e solidária, ao pagamento dos danos suportados, as respectivas torcidas
organizadas (TUF e CEARAMOR), já que tais reveses nasceram pelos atos deploráveis e condenáveis de seus associados.
Forte abraço e fique com Deus!
FELIPE TOBAR
[1] PIRES DE SOUZA,
Gustavo Lopes. O desenvolvimento dos direitos do consumidor do esporte. (Lei
10.671/2003). Belo Horizonte : Alfstudio Produções, 2009.
[2] Ibidem nota 1.
[3] In casu, existirá
responsabilidade solidaria quando o credor (espectador) da indenização possuir
a faculdade de exigir de qualquer dos responsáveis (clube local e entidade de administração)
o cumprimento integral do pagamento da indenização.
[4] Conforme
determinação do artigo 11, §1º da Lei Geral da Copa.
[5] Nesse
particular, informo que no primeiro Atletiba de 2011, válido pelo Campeonato
Paranaense daquele ano, pude verificar que o perímetro de segurança entendido
como necessário e suficiente para garantir a incolumidade dos torcedores foi de
300m de distância do Estádio Couto Pereira. Na ocasião, só poderiam permanecer
dentro de referido raio de segurança, torcedores que portavam ingressos
válidos. Não foi registrado qualquer incidente de violência entre as torcidas
adversárias.
[6] Art. 39-B. A torcida organizada
responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por
qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas
imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento.
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