Prezados,
Segue abaixo artigo resumido que escrevi para a RBDD e apresentado no Congresso de Direito Desportivo da UFSC, nesse ultimo mês de novembro de 2013.
Em tempos de discussões sobre revogação da suspensão automática acho que pode contribuir.
Abraços!
O presente
artigo, com suporte do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e Código
Disciplinar da FIFA (CDF), abordará a possibilidade jurídica do pedido de
anulação de cartões disciplinares aplicados equivocadamente pelos árbitros aos
atletas durante a pugna esportiva e, consequentemente, em sendo pertinente, do
instituto da suspensão automática.
1.
Introdução:
1.1.
A
história dos cartões disciplinares no futebol
O
ex-árbitro de futebol, Leonardo Gaciba, de forma didática, realizou em seu blog
virtual o resgate histórico dos motivos que ensejaram a necessidade da aplicação
dos cartões disciplinares (amarelo e vermelho) durante as partidas de futebol no
século XX e que, como cediço, perduram até os tempos atuais:
“Consta que na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra,
numa partida válida pelas quartas-de-final do torneio, enfrentaram-se os
anfitriões e os Argentinos. Para o jogo foi designado o árbitro Alemão Rudolf
Kreitlein. As advertências e expulsões na época eram verbais. O árbitro avisava
os atletas e anotava as advertências em sua caderneta. Logo no início da
partida três jogadores Argentinos foram “advertidos” no estádio lotado de
Wembley. Um deles, o capitão Rattín, pouco antes do final do primeiro tempo
enloquecido com a atuação do árbitro começou a gesticular acintosamente
solicitando um intérprete para comunicar-se com o árbitro, tanto o fez que o
Alemão acabou “interpretando” os gestos do Argentino como xingamentos e acabou
lhe expulsando da partida. Rattín, inconformado, negou-se a sair de campo
(fazia que não entendia estar expulso) e após uma grande interrupção do jogo
teve que ser “convidado” a se retirar do gramado da maneira mais
desagradável possível (escoltado)”.[1]
Diante
de tais episódios que refletiam as dificuldades, em nível de educação, e,
sobretudo, comunicação das reprimendas disciplinares dentro das quatro linhas,
era evidente a necessidade de uniformização procedimental entre árbitros e
atletas, de maneira a substituir a gestualidade predominante, que muitas vezes
prejudicava a carreira de muitos jogadores, em virtude da injusta existência,
frise-se, em determinados e específicos casos, do instituto da suspensão
automática[2] aos olhos dos mais basilares princípios do direito
desportivo disciplinar.
Nessa
toada, surgiu a ideia da utilização dos cartões amarelo e vermelho e, como de
praxe em qualquer competição envolvendo o futebol, logo ressoaram manifestações
de desagrado com a atuação dos homens do apito em relação às interpretações
realizadas no desenrolar das partidas, especificamente nos momentos das admoestações.
Como
resultado, até os dias de hoje é comum a discussão entre torcedores, na maioria
operadores do Direito Desportivo, acerca da possível validade jurídica de
eventual pedido de anulação desses cartões e, conseqüentemente, do instituto da
suspensão automática, em casos onde reste inequívoca a presença de erro, por
parte dos árbitros, no momento da aplicação dos cartões disciplinares após suposta
infração as regras do jogo[3].
Assim,
inserido nesse cenário de instigante incerteza, vem o presente artigo, sem a
pretensão de esgotar o debate, responder a essa antiga e importante indagação,
com o suporte de específicos artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva
e do Código Disciplinar da FIFA.
2.
O que dizem e no que convergem o Código Brasileiro de
Justiça Desportiva, as regras do futebol e a doutrina nacional majoritária
quanto à possibilidade de anulação dos cartões disciplinares e do instituto da
suspensão automática?
Segundo
o ilustre Procurador Geral do STJD do futebol, Paulo Schmitt, em entrevista ao site ESPN, o tribunal mais
comentado do país, não pode interferir para cancelar uma punição determinada
pelo trio de arbitragem durante um jogo. Perguntado se “existe uma preocupação
de o tribunal fazer justiça, mas sem mudar o resultado que aconteceu dentro de
campo, sem alterar as decisões do árbitro”, respondeu:
“A legislação não nos autoriza fazer isso, e não teria
lógica a gente fazer isso. Tudo está no código, o árbitro tem a regra, e a
decisão no campo de jogo é definitiva pelo árbitro. O tribunal jamais vai dar
um pênalti, dar um escanteio. [...] Mesmo que um árbitro dê um cartão vermelho
de forma equivocada, porque ele não viu o lance com muita clareza, o tribunal
não pode mudar. O cartão está dado, e o jogador vai cumprir a suspensão
automática”[4].
Aos
operadores do direito desportivo fica evidente nas declarações acima
registradas, a menção velada à regra de nº 5 do jogo de futebol e ao artigo
58-B do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, as quais, para conhecimento
dos leitores, as transcrevo in verbis:
Regra 5: “As decisões do árbitro sobre fatos em relação com o
jogo, são definitivas. O árbitro poderá modificar sua decisão unicamente, se se
dá conta de que é incorreta ou, se a julga necessária, conforme a uma indicação
por parte de um árbitro assistente, sempre que não tenha reiniciado ainda o
jogo”[5][6].
Art. 58-B: As decisões disciplinares tomadas pela equipe de
arbitragem durante a disputa de partidas, provas ou equivalentes são
definitivas, não sendo passíveis de modificação pelos órgãos judicantes da
Justiça Desportiva. (Inclusão dada pelo CNE nº 29 de 2009).[7]
Após
rápida leitura de ambos os dispositivos muitos aficionados podem se questionar
do porque em vários casos já apreciados pela Justiça Desportiva, atletas acabam
sendo punidos mesmo que sequer tenham recebido um cartão amarelo. Não estaria o
STJD violando tais normas? Não estaria ocorrendo um reapitamento das partidas?
A
resposta é negativa. Isto porque, o CBJD abriga em seu texto, dispositivo que
permite, desde que em específicos casos, o apenamento de tais atletas segundo
critérios definidos no parágrafo único do artigo 58-B, a saber:
Art. 58-B - Parágrafo Único. Em caso de infrações
graves que tenham escapado à atenção da equipe de arbitragem, ou em caso de
notório equívoco na aplicação das decisões disciplinares, os órgãos judicantes
poderão, excepcionalmente, apenar infrações ocorridas na disputa de partidas
provas ou equivalentes.
Ao
comentar o citado artigo, o mestre Fernando Tasso, explica em linhas gerais o
objetivo de sua criação:
“Esse artigo tenta solucionar uma polêmica, a possibilidade
da Justiça Desportiva, rever a atuação do árbitro, seja anulando cartões, seja
aplicando sanções quando não forem percebidas pelo árbitro. [...] A regra geral
do caput pode assim ser definida: as decisões dos árbitros são soberanas e não
podem ser revistas pela Justiça Desportiva. Assim, a aplicação de um cartão
amarelo ou vermelho, bem como a suspensão automática advinda da expulsão em
jogo anterior é imutável. Não é possível recorrer da aplicação de um cartão
vermelho ou buscar a anulação de uma expulsão, nem tampouco anular um gol, um
pênalti ou algo assim. [...] Maior polêmica existe, porém, quando, no mesmo
caso, o árbitro vê o lance, marca falta, mas não aplica nenhum cartão, ou
aplica um cartão amarelo. Nesse caso, entende-se que o árbitro interpretou o
lance e decidiu que não se constituía em agressão, não sendo passível de
expulsão. Nesse caso, quando o órgão da Justiça Desportiva entender que houve
“notório equívoco” do árbitro, poderá sim aplicar uma punição ao agressor.
Ademais é requisito fundamental que a infração seja considerada grave”[8].
Destarte,
pelo breve exposto, fica claro que é possível a punição de atletas pela Justiça
Desportiva do futebol, ainda que não tenha sido esse o entendimento adotado
pelo árbitro no momento da infração ocorrida no campo de jogo, bem como resta
indubitável que, à luz do CBJD, será impossível anular os cartões disciplinares
e, por obviedade, as suspensões automáticas decorrentes, ainda que esteja
comprovado, por meio de prova de vídeo, manifesto equívoco da arbitragem.
3.
A incorporação das normas da FIFA como normas
nacionais no ordenamento jus desportivo pátrio.
No
entanto, é de conhecimento dos militantes do direito desportivo que não será
somente o CBJD, o único código disciplinar a ser aplicado nos processos em trâmite
na Justiça Desportiva do futebol. Não se pode negar a existência das regras
disciplinares criadas pela FIFA, por intermédio de seu Código Disciplinar e, sua
consequente utilização, seja para a oferta de denúncia pela atual Procuradoria,
seja também para servir de argumentos em eventual defesa de clubes, árbitros,
atletas, etc. Nessa
perspectiva, cumpre trazer à lume, de maneira a evitar dúvidas quanto à
aplicação dos mandamentos da FIFA no ordenamento jurídico desportivo
brasileiro, a elucidativa lição do Auditor do Pleno do Superior Tribunal de
Justiça Desportiva do Futebol, Dr. Caio Rocha, durante o voto do caso “CBF x
Elano”:
“Dessa forma, postas tais considerações preliminares,
é inegável que as normas editadas pela FIFA possuem plena vigência no Brasil,
sejam ela estatutárias, que dizem respeito à sua própria constituição como
entidade, sejam elas referentes às regras do desporto, incluindo-se aí as
diretrizes disciplinares. Não seria pertinente adiantar aqui a discussão, que
algum dia, acredito, será inevitável, sobre se deve ser aplicado o Código
Disciplinar da FIFA às confederações associadas, no âmbito interno das
competições por elas organizadas. O que penso não poder acontecer, e no caso do
Brasil não acontece, é que as sanções aplicadas sejam diferentes em natureza
daquelas previstas no Código FIFA, conflitando com ele[9]. As sanções previstas no CBJD, embora não guardem
total identidade com as sanções previstas no Código FIFA, são perfeitamente
compatíveis com ele. O que importa para a resolução do presente caso, contudo,
é a aceitação da seguinte afirmação: diante do princípio da autonomia
jusdesportiva, as normas internacionais editadas pela FIFA, em relação às quais
a CBF, no ato de sua associação, não só aderiu como se obrigou a cumprir,
possuem validade no âmbito interno, independente de
sua validação ou recepção, seja pelo Estado brasileiro,
seja pela própria CBF”.[10]
A
essas valorosas lições, somam-se os artigos 1º,§1º e 3º, III da Lei Geral Sobre
o Desporto e 1º, III do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, os quais, em
harmonia, refletem ordem expressa à validação do processo de legitimação e
consequente incorporação das normas da FIFA como normas nacionais desportivas,
perfeitamente aplicáveis nos processos da Justiça Desportiva do Futebol,
constitucionalizada por força do artigo 217 da Carga Magna.
Portanto, uma vez ultrapassada a questão da plena absorção dos regramentos contidos
no CDF para oportuna utilização nos processos disciplinares em trâmite na
Justiça Desportiva do futebol, insta comentarmos de modo pormenorizado,
inclusive lançando mão de exemplos internacionais, os dispositivos do referido
diploma legal internacional que fornecem guarida à tese da possibilidade de
anulação dos cartões disciplinares e do instituto da suspensão automática.
4.
O
Código Disciplinar da FIFA
Poucos
sabem, mas o atual Código Brasileiro de Justiça Desportiva é fruto dos
trabalhos da Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos (CEJD), criada em 2009, para
reformulá-lo substancialmente. Nessa ocasião, inúmeros artigos foram inseridos
no atual corpo legal do CBJD, assim como o artigo 58-B, de modo a atender a necessidade
de adaptação à regras especificas para o futebol, por conseqüência do advento,
à época, de nova edição do Código Disciplinar da FIFA, sob pena de violação por
parte da CBF às regras do estatuto da entidade máxima do futebol. Com efeito, entre a imensa gama de
dispositivos do CDF, encontramos nos artigos 72, item 3, 77, alínea b, e 146,
itens 2 e 3, a previsão, por ora defendida, acerca da concreta possibilidade de
anulação de cartões disciplinares e, por conseguinte, do instituto da suspensão
automática, desde que em específica hipótese:
Art. 72 Árbitro: 1. El árbitro adopta las decisiones
disciplinarias en el transcurso del partido.
2. Sus decisiones son definitivas. 3. Ello lo es sin perjuicio de la
competencia de las autoridades jurisdiccionales (véase art. 77)”. “Art. 77. Competencias específicas. Es
competencia de la Comisión Disciplinaria: a) sancionar las faltas graves que no
hubiesen advertido los oficiales de partido; b) rectificar errores manifiestos
en que pudiera haber incurrido el árbitro al adoptar sus decisiones
disciplinarias;
146 Códigos disciplinarios de las asociaciones 1. En pro de la armonización en
materia disciplinaria, las asociaciones se comprometen a adaptar sus
disposiciones al presente código. (…) 3. Las asociaciones deberán adoptar las
siguientes disposiciones de este código, que son vinculantes y sirven al
propósito de alcanzar una armonización en materia disciplinaria. Sin embargo,
las disposiciones se dejan a criterio de los miembros la elección de los medios
y la formulación mediante los cuales desean alcanzar esta meta: artículos:
1-34, 39-57, 59-62, 65-72, 75-77 (…). En particular, las asociaciones tienen la
obligación de observar estas disposiciones y garantizar el cumplimiento estricto
de las penas que conllevan estas infracciones, así como de cumplir con los
principios generales contenidos en las disposiciones. (…) 5. Se sancionará con
una multa a la asociación que incumpla este artículo. En caso de una infracción grave, pueden pronunciarse
sanciones adicionales en conformidad con este código, que pueden conllevar
incluso la exclusión de una competición en marcha o futura (véase art. 28)[11] .
Notem
que os legisladores da reforma do novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva
somente se atentaram a absorção da alínea “a” prevista no art. 77 do CDF,
responsável pela redação final do artigo 58-B e seu parágrafo único. De outra
sorte, “olvidaram-se” completamente do que dispõe a alínea “b”, oferecendo subsídios
concretos para a consolidação de uma linha de entendimento unilateral
predominante na atual Justiça Desportiva do futebol, quanto à necessidade de massiva,
crescente e, por vezes, midiática, punição disciplinar aos atletas partícipes.
A explicação para referido posicionamento é encontrada nas palavras do advogado
e especialista em Justiça Desportiva, Vitor Brutuce, então secretário daquela Comissão,
quando comentara as razões da inserção do artigo 58-B:
“Aprovado em dezembro de 2008, o CDF impunha as
associações filiadas a reprodução obrigatoria de cinco artigos (vide art. 145,
§1º, do CDF). Havia ainda outros tantos dispositivos que deveriam ser
igualmente refletidos na legislação nacional, com vistas a “alcançar
harmonização em matéria disciplinar” (art. 145, §3º, do CDF), mas deixou-se a
critério das respectivas associações a escolha da redação e dos meios mais
adequados para alcançar essa finalidade. Uma dessas regras era o art. 77 do cdf,
sobre as competências especificas das comissões disciplinares.
Substancialmente, tal dispositivo toca em um dos temas mais debatidos na
justiça desportiva ao longo dos últimos anos: os limites e as possibilidades de
apreciação, pelos tribunais desportivos, de infrações praticas durante a
disputa das partidas, quando não observadas pela equipe de arbitragem ou
quando, embora percebidas, não tenham resultado em reprimenda severa. [...] De
inicio, é importante registrar que o art. 58-B do CBJD representa essencial uma
escolha de política legislativa e, não um estrito exercício de lógica jurídica,
ou seja, nada obstante a forte inspiração no art. 77 do cdf, a elaboração do
novo artigo não teve o intuito de ser uma mera tradução daquele. Ao invés,
procurou-se adaptar a essência da norma internacional as necessidades próprias
da justiça desportiva brasileira.”[12]
Como
resultado, em vez de utilizarem o verbo ‘apreciar’ como acertadamente havia
proposto o Tribunal de Justiça Desportiva da Federação do Rio de Janeiro,
durante as reuniões para a reforma do CBJD, de maneira a ir totalmente de
encontro à verdadeira essência da alínea b do artigo 77 do CDF, os redatores, preferiram
se valer de interpretação ‘in malan partem’ aos atletas, violando ferozmente o
que a FIFA, através do CDF, determinava quanto a possibilidade de
despenalização pelos tribunais desportivos de suas associações:
“Já o verbo “apenar”, por sua vez, tem o propósito de
fixar que a Justiça Desportiva não tem o condão de alterar as decisões
disciplinares tomadas pelo árbitro em beneficio do infrator. Os tribunais podem
punir o atleta por infrações não-observadas (ou mal observadas) em campo,
dentro dos limites estabelecidos pelo parágrafo único. Pode-se dizer, em
resumo, que a preocupação do legislador foi a de evitar que o dispositivo desse
margem a interpretações capazes de sustentar, por exemplo, a revogação de uma
suspensão automática quando verificada a inexistência de determinada infração
assinalada pelo arbitro, após o exame de prova cinematográfica”. [...] Não se
nega que a “esfera técnica” da atuação do árbitro, por assim dizer, seja
distinta e inconfundível com a “esfera disciplinar” que compete à Justiça
Desportiva. O exemplo da suspensão automática, mencionado no item 2 deste
ensaio, não nos deixa enganar: se o atleta receber cartão vermelho em função de
determinado lance, haverá incondicionalmente o cumprimento da suspensão
automática – mesmo se o infrator provar ter havido erro por parte do árbitro, e
ainda que seja absolvida em julgamento disciplinar antes de cumpri-la[13].
Como
destacado acima, surpreendentemente, para não dizer, infelizmente, o atual CBJD
encontra-se em inquestionável descompasso com as exigências previstas no artigo
77, alínea b do CDF, pois, proíbe de maneira expressa, por intermédio de seu
art. 58-B, a re-análise de lances que objetivem a absolvição de atletas, mesmo
nos casos em que restem caracterizados “errores
manifiestos en que pudiera haber incurrido el árbitro al adoptar sus decisiones
disciplinarias”. Posto isso, data máxima vênia, com respeito
aos princípios do espírito esportivo, moralidade, legalidade, isonomia e,
sobretudo, ao principio da prevalência, continuidade e estabilidade das
competições, não há como seguir o entendimento doutrinário dominante, espraiado
de maneira equivocada pelo atual procurador Geral do STJD, Dr. Paulo Schmitt, e
inclusive admitido pelo pleno do STJD em julgamento um tanto quanto recente[14].
5.
Exemplos
internacionais
Compulsando
o direito comparado, assistimos a perfeita aplicação do artigo 77, alínea b, do
Código Disciplinar da FIFA. No país vizinho, à AFA (Associación del Fútbol
Argentino), através de seu Tribunal de Justiça Desportiva, modificou a decisão
de um árbitro que incorretamente expulsou o atleta Galmarini da equipe do
Tigre, após entender que o mesmo havia tocado com a mão na bola. Na ocasião o secretário da Presidência do
Tribunal, Fernando Mitjans, abordando os ditames do Código Disciplinar da FIFA,
esclareceu os motivos pelos quais se pôde anular o cartão vermelho ao atleta,
sem infringir qualquer regra disciplinar desportiva: "El
gol no vale porque fue invalidado por el árbitro. En FIFA se llegó a un
acuerdo: la única forma que un tribunal pueda cambiar algo de un partido es por
una amarilla, un foul, o una sanción, no por un gol"[15].
Outrossim,
em casos semelhantes, diversas federações internacionais adotaram
posicionamento similar ao do Tribunal Argentino, conferindo prevalência ao
citado artigo do CDF, quando restou demonstrado o manifesto equívoco dos
árbitros no momento da aplicação das sanções disciplinares no relvado. Isto se
sucedeu, por exemplo, com a anulação dos cartões vermelhos dos atletas Kompany
do Manchester City[16], Schmelzer do Borussia Dortmund[17], Modric do Real Madrid[18] e Douglão do Braga[19].
Logo, se vê, em apertada síntese, que inexiste qualquer espaço para
controvérsia e rejeição acerca de imediata aplicação do artigo 77 do CDF, por
nossa Justiça Desportiva.
6.
Conclusão
Em
que pese predomine, entre os principais expoentes da atual Justiça Desportiva
do Futebol, a ideia da total impossibilidade de retificação das decisões
disciplinares tomadas pelos árbitros em benefício dos atletas, nota-se que tal
posicionamento jurídico deve ser tido como superado, posto que em evidente
descompasso com a previsão exigida pelo órgão máximo do futebol mundial. O ordenamento jurídico desportivo disciplinar
vigente nos órgãos judicantes das entidades de administração do futebol em seus
três âmbitos abriga ainda que de maneira ‘fantasma’ em seu conjunto de
dispositivos, concreta possibilidade de anulação de cartões disciplinares e do
instituto da suspensão automática, nos casos em que restarem caracterizados
erros inequívocos dos membros da arbitragem, no momento da reprimenda
disciplinar realizada dentro das quatro linhas.
Assim, pode-se afirmar que o único erro do árbitro que não poderá ser em
hipótese alguma modificado, será quando versar sobre a existência ou não de um
gol[20]. Do contrário qualquer outra decisão tomada pelo
árbitro, como uma expulsão que tenha sido determinada de forma injusta em total
desacordo com a verdade dos fatos apresentados na partida, pode e deve, por
força da alínea ‘b’ do artigo 77 do CDF, ser anulado pelos inúmeros tribunais
da Justiça Desportiva do futebol no Brasil, ressalvadas as respectivas
competências, mediante a apresentação de medida inominada, prevista no artigo
119 do CBJD.
Referências
Bibliográficas
- Código
Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD: comentários à Resolução CNE 29, de
10.12.2009./Paulo Cesar Gradela Filho, Paulo Bracks e Milton Jordão./Curitiba:
Juruá, 2012. 352p.
- BRUTUCE,
Vitor: Anotações Sobre o Art. 58-B do CBJD: “Limites da Justiça Desportiva
Perante a Autoridade Disciplinar do Árbitro no Futebol Brasileiro”. In: Curso
de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
- “Relatório
Final da Subcomissão de Relatoria da reforma do CBJD da Comissão de Estudos
Jurídicos Desportivos do Ministério do Esporte” apud BRUTUCE, Vitor: Anotações
Sobre o Art. 58-B do CBJD: “Limites da Justiça Desportiva Perante a Autoridade
Disciplinar do Árbitro no Futebol Brasileiro”. Curso de Direito Desportivo
Sistêmico – Volume II. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
-GACIBA, Leonardo.
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http://sportv.globo.com/platb/blog-do-gaciba/2011/10/25/a-regra-dos-cartoes-amarelos-e-vermelhos/.
Acesso em: 25 jan. 2013
-REGRA OFICIAL
DO FUTEBOL N.5. Disponível em: http://www.portalbrasil.net/regras_do_futebol_5.htm
. Acesso em: 25 jan. 2013
- LEME, Tiago:
Especial STJD 5 – Responsável pelas denúncias, Paulo Schmitt ignora críticas e
cita compromisso com a moralidade. Disponível em:
http://espn.estadao.com.br/noticia/298611_especial-stjd-5-responsavel-pelas-denuncias-paulo-schmitt-ignora-criticas-e-cita-compromisso-com-a-moralidade.
Acesso em: 25 jan. 2013.
- RONCAGLIA,
Daniel. STJD aplica lei da FIFA com rito processual da CBF. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2007-nov-08/stjd_aplica_lei_fifa_rito_processual_cbf .
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- BEER, Carlos.
Un fallo histórico. Disponível em: - http://canchallena.lanacion.com.ar/1359544-un-fallo-historico.
Acesso: 05 de fev. 2013.
- http://espn.estadao.com.br/noticia/303591_manchester-city-ganha-apelacao-e-suspensao-de-kompany-por-cartao-vermelho-e-retirada.
Acesso em: 05 fev. 2013.
- STEIN,
Leandro. Federação admite erro de árbitro e anula suspensão de Schmelzer.
Disponível em:
http://trivela.uol.com.br/alemanha/federacao-admite-erro-de-arbitro-e-anula-suspensao-de-schmelzer
. Acesso em: 06 de fev. 2013.
- http://www.fpf.pt/pt. Acesso em:
08 fev. 2013.
[1]GACIBA, Leonardo. A regra dos cartões amarelos e
vermelhos. Disponível em:
http://sportv.globo.com/platb/blog-do-gaciba/2011/10/25/a-regra-dos-cartoes-amarelos-e-vermelhos/.
[2]Referida norma, ao contrário do que muitos já pensaram,
não é produto da imaginação da FIFA ou da International Board Association, mas
criação de organizadores de competições oficiais ou não-oficiais, inserida nos
respectivos regulamentos conforme o interesse.
[3] Recomenda-se a leitura das
regras do futebol criada e atualizada ao longo das décadas pela International Football Association Board -
IFAB. Disponível: http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/ifab/index.html. Acessado em 25 de janeiro de 2013.
[4]Disponível em:
http://espn.estadao.com.br/noticia/298611_especial-stjd-5-responsavel-pelas-denuncias-paulo-schmitt-ignora-criticas-e-cita-compromisso-com-a-moralidade.
[5]REGRA OFICIAL DO FUTEBOL N. 5.
Disponível em: http://www.portalbrasil.net/regras_do_futebol_5.htm.
[7] Código Brasileiro de Justiça
Desportiva.
[8] TASSO, Fernando. Código
Brasileiro de Justiça Desportiva CBJD – Comentários à Resolução CNE 29, de 10.12.2009.
p.77
[9] Conforme se
discorrerá a seguir os artigos 58-B do CBJD e 77 do CDF conflitam entre si,
inclusive por meio de escolha de política legislativa adotada pelos
legisladores brasileiros, razão pela qual, data máxima vênia, vem a constituir para
esse subscritor, o único ponto de objeção quanto aos ensinamentos ministrados
pelo estudioso Auditor Caio Rocha em seu brilhante voto.
[10] RONCAGLIA, Daniel. STJD aplica lei da Fifa com rito processual. Disponível
em http://www.conjur.com.br/2007-nov-08/stjd_aplica_lei_fifa_rito_processual_cbf.
[11]Art.
28. Exclusión de una competición: La
exclusión es la privación a una asociación o a un club de su derecho a
participar en una competición en curso y/o futura..
[12]
BRUTUCE, Vitor. Anotações sobre o art. 58-b do CBJD: Limites da Justiça Desportiva Perante
a Autoridade Disciplinar do Árbitro no Futebol Brasileiro”. p.999. In: Curso de Direito Desportivo Sistêmico – Volume II. São
Paulo: Quartier Latin, 2010.
[13] Ibidem nota 13.
[14] Lembra Fernando Tasso, na obra “Código
Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD – Comentários à Resolução CNE 29, de
10.12.2009”, que, “Em 2010, o STJD do Futebol julgou pedido do EC Vitória para
anular cartão vermelho aplicado ao seu goleiro por ter feito uma “paradinha” ao
cobrar uma penalidade máxima. Alegou-se “erro de direito”, pois a FIFA somente
passou a orientar os árbitros brasileiros a não permitir tal conduta
posteriormente. O Tribunal Pleno, por maioria, sequer conheceu a pretensão
defensiva, em síntese, sustentando não ser esta
matéria da própria Justiça Desportiva. Não obstante, diga-se, na
Europa, a anulação de cartão amarelo/vermelho já é uma realidade”.
[15] Disponível em: http://canchallena.lanacion.com.ar/1359544-un-fallo-historico.
[16]Disponível em: http://espn.estadao.com.br/noticia/303591_manchester-city-ganha-apelacao-e-suspensao-de-kompany-por-cartao-vermelho-e-retirada.
[17]Disponível em:
http://trivela.uol.com.br/alemanha/federacao-admite-erro-de-arbitro-e-anula-suspensao-de-schmelzer.
[18]Disponível em http://www.soymadridista.com/index.php/futbol/primer-equipo/item/2289-competici%C3%B3n-le-quita-la-amarilla-de-la-cabezamano-a-modric.
[19]Confira-se no site da Federação
Portuguesa de Futebol – FFP, no link “Institucional – Mapa de Castigos Secção
Profissional”, documento denominado “CD – 60 - Deliberações Secção Profissional
– Mapa Castigo”, onde se pode verificar a retirada do cartão vermelho ao atleta
‘Douglão’ e atribuição do cartão amarelo ao atleta Custódio. Disponível em http://www.fpf.pt/pt.
[20] Prova disso são as constantes
discussões acerca da (in) aplicação de meios tecnológicos para auxiliarem os
membros da arbitragem no momento de validarem ou não, um suposto gol marcado.
bom dia!
ResponderExcluirno dia 10.11.2019 tive um jogo e antes da partida orientei a comissão que a equipe adversária teria 2 atletas irregulares, perdi a partida e ainda tive 2 atletas expulsos em cima destes atletas irregular em expulsões normal sem violência... 3 dias depois foi comprovado as irregularidades e a equipe perdeu os 6 pontos disputados nas duas partidas, por eu ter sido prejudicado a pergunta é os cartões vermelhos são anulados ?