sábado, 14 de abril de 2012

O crime de quadrilha ou bando e as Torcidas Organizadas

Excelente texto extraído do Jornal Folha de São Paulo - datado de 27/03/2012.

Polícia se exime, e promotor culpa lei
A polícia avalia que não houve falhas, mas seu serviço de inteligência não detectou o agendamento do confronto na internet. O Ministério Público diz que a legislação é antiga e frouxa.
Ambos pedem mudanças. Mas aparentemente ninguém sabe ao certo o que fazer para impedir mortes no futebol (…)
Há anos a Promotoria adota medidas para impedir a violência nos estádios. O promotor Fernando Capez acabou
[sic] com o CNPJ das torcidas - na prática, pouco mudou.
Recentemente, Paulo Castilho, hoje no Ministério do Esporte, também atuou na área, e verificou-se uma queda de casos de violência nos estádios. Em clássicos, por exemplo, a torcida visitante passou a ter apenas 10% dos ingressos disponíveis.
Para Oliveira, o xis da questão é a legislação. ‘Nosso código penal é de 1944. Penas de até quatro anos podem ser substituídas por alternativas como doação de cestas básicas. O torcedor sente a fraqueza da lei, e a impunidade impera. Há, ainda, o problema da falta de provas, câmeras, testemunhas’, disse


Normalmente os membros das torcidas organizadas que cometem crimes são enquadrados no crime de formação de quadrilha ou bando, além do crime que venha a cometer (homicídio, lesão corporal etc).

Mas o que é a formação de quadrilha ou bando?

Esse é um crime diferente da maioria porque, para estar configurado (consumado), basta que as pessoas se reúnam com a intenção de cometer outros crimes. Não é necessário que de fato venham a cometer um crime.

Se eu e meus amigos nos reunimos para torcer pelo nosso time, organizar viagens e, vez por outra, espancar os torcedores do tipo adversário, as duas primeiras finalidades são legítimas, mas a últimas (praticar lesão corporal) não é. Não importa que jamais venhamos a bater em alguém: basta que nós tenhamos nos reunido com essa intenção.

Mas não é qualquer reunião que basta: precisa ser de, no mínimo, quatro pessoas. Se meu time só tem três torcedores, é impossível termos cometido a formação de quadrilha (a exceção é o tráfico de drogas, para o qual bastam duas pessoas).

As pessoas reunidas não precisam se conhecer (é possível que a intenção seja cometer os crimes pela internet), mas é essencial que a associação tenha algum elemento de estabilidade ou permanência. Se nos reunimos para cometer um único delito, não há formação de quadrilha. Nesse caso, há apenas a coautoria ou coparticipação no delito cometido. É por isso que a lei diz ‘cometer crimes’ e não ‘cometer crime’.

As pessoas não precisam estar formalmente organizadas. Mesmo porque a maior parte dos bandos são 'bandos' justamente porque não há uma estrutura hierárquica entre seus membros. Em alguns casos eles sequer se conhecem pessoalmente. No caso da matéria acima, a inexistência de um CNPJ (cancelado pela Receita Federal, e não pelo Ministério Público), não afeta a existência da quadrilha: quem comete o crime são seu membros e não a organização a qual pertencem.

Embora o crime exija quatro ou mais pessoas, não é necessário identificar todos os membros para que quem foi identificado seja punido: basta que se prove que havia mais de quatro membros (ainda que todos os outros sejam menores de idade). Parece estranho, mas é possível que uma única pessoa responda sozinho pelo crime de quadrilha, simplesmente porque os outros, embora se prove que existam, ainda não foram identificados ou são todos menores de idade.

Tampouco é necessário que todos tenham se reunido ao mesmo tempo. Se eu e mais três torcedores fundamos uma quadrilha, e mais tarde uma quinta pessoa se junta a nós, eu e os cofundadores praticamos o crime no momento em que formamos a quadrilha, e a quinta pessoa o pratica no momento em que se juntou a nós. Isso porque esse crime é o que os juristas chamam de permanente, ou seja, ele perdura no tempo: embora eu o tenha cometido no momento em que formei a quadrilha, o crime continua sendo cometido ao longo do tempo, até que a quadrilha deixe de existir. Por isso, se um dos meus amigos deixa de ser membro de nosso bando, ele continua sendo culpado pela formação do bando, ainda que só venhamos a realmente bater nos torcedores adversários mais tarde: quando ele se juntou a nós, ele sabia a finalidade do nosso bando.

Essa permanência é importante não só para determinar que outras pessoas possam se ‘juntar ao crime’ mais tarde, mas também para determinar quando se passa a contar o tempo para a extinção da punibilidade dos criminosos: apenas quando a quadrilha deixa de existir (ou quando ela é finalmente denunciada). Além disso, por ser permanente, é possível a prisão em flagrante enquanto a quadrilha existir, e o juiz responsável por julgar o processo será o primeiro a receber a denúncia. Logo, se a ‘organizada’ sai viajando com o time, ela pode ser denunciada em qualquer das cidades na qual ‘atuou’.

E se eu e meus três amigos nos juntamos para bater nos torcedores adversários e outros crimes durante os jogos, mas só eu realmente pratico a lesão corporal? Eu respondo por dois crimes – formação de quadrilha e lesão corporal –, enquanto meus amigos respondem pela formação de quadrilha.

Mas existem dois detalhes importantes aqui: nem toda torcida organizada tem finalidade criminosa. Logo, não é o fato de ser uma torcida organizada que a torna um bando ou quadrilha: apenas se seus membros resolvem se reunir para cometer crimes é que existe o crime.

Além disso, quem se reuniu inocentemente a uma torcida organizada na qual havia criminosos em bando, não pode responder pelo crime que desconhecia. O torcedor inocente não tinha como saber que alguns outros membros planejavam ações criminosas. Mas se ele se reúne ‘para o que der e vier’, ele está assumindo um risco, e isso basta para configurar seu dolo (intenção) de cometer o crime.

Abaixo um pequeno resumo da lei.
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