sábado, 12 de maio de 2012

O cambismo no Estatuto do Torcedor


Em julho de 2010, o Estatuto do Torcedor foi reapresentado com reformulações e a mídia de maneira quase geral fez ecoar um enganoso alarme dizendo que com a aplicação da nova lei os cambistas seriam presos.
            Por que dizia isso? – Porque o novo Estatuto assim está redigido: “Art. 41-F. Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete: Pena – reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa”.
            “Art. 41-G. Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para vender por preço superior ao estampado no bilhete: Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa. Parágrafo único. A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e se utilizar desta condição para os fins previstos neste artigo.”
            Por ignorância jurídica ou má fé, grande parte dos meios de comunicação expôs os dois artigos atrás transcritos quase como se fossem a maior inovação penal do século XXI.
            Ora, isso é falso. Com efeito, o cambismo no Brasil já tinha punição prevista na antiga legislação referente à economia popular por meio da Lei 1.521/51, art. 2º, X. Daí comentarem o jurista Dr. Luiz Flávio Gomes e o promotor de Justiça Dr. Rogério Sanches Cunha a respeito do malabarismo legislativo do Estatuto do Torcedor o seguinte: “O que fez o legislador? Enquadrou a mesma conduta em um ‘novo’ tipo penal (dando-lhe roupagem ou embalagem nova) e passou a vendê-lo como se fosse (um produto) novo” (Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo: RT, 2011, p. 116).
            Pergunta-se, porém, qual tem sido a eficácia dessa velha lei que reaparece retocada e maquiada? – A resposta é a de que ela tem sido quase nula ou mesmo nula, do ponto de vista prático, por algumas razões.
            A penalidade prevista no artigo 41-F constitui infração de menor potencial ofensivo e pode, por isso, levar à suspensão condicional do processo. E mais: se o cambista tiver a prisão decretada, sua pena deve ser convertida em restritiva de direitos (ele não pode frequentar certos lugares, não pode ausentar-se da Comarca, deve comparecer mensalmente ao Fórum, etc.) cabendo o sursis, se preenchidos os requisitos dos art. 77 e seguintes do Código Penal.
                Já o artigo 41-F, embora corrobore o anterior, não é de pequeno, mas, sim, de médio potencial ofensivo, não permitindo, portanto, transação penal ou suspensão condicional do processo, mas, desde que preenchidas as condições dos artigos 77 e seguintes do Código Penal, também admite, em vez de cadeia, restrição de direitos.
            Vistas as dificuldades jurídicas para a prisão do cambista, passemos à falta de vigilância e de repressão ao cambismo no Brasil apoiando-se em duas notícias recentíssimas colhidas no jornal Lance!.
             Na edição de 30/04, p. 8, lê-se que, antes da partida Santos e São Paulo, no Morumbi, os cambistas vendiam tranquilamente, ao lado de policiais militares, os ingressos para o jogo. Para a arquibancada azul, cujo preço na bilheteria era de R$ 50,00, os cambistas cobravam R$ 60. Para um lucrozinho extra, os vendedores de ingresso ofereciam também capaz de chuvas e bandeiras dos times disputantes.
         Já na edição de 07/05, p. 13, na partida Guarani e Santos, pela final do Paulistão 2012, o mesmo jornal noticiou que a decisão da FPF de fechar as bilheterias do Morumbi às 14h favoreceu os cambistas. Nas duas horas posteriores, até o início do jogo, eles agiram tranquilamente com grande procura.
       Diante disso, poderá alguém, dentro da mentalidade penal populista brasileira, bradar que precisamos de “maior rigor na lei”, quando, na verdade, o que realmente falta é conscientização do torcedor e vigilância séria das autoridades.
            O resto é puro malabarismo midiático e legislativo-politiqueiro.

Autores: Felipe B. Tobar é auditor-presidente da Comissão Disciplinar de Futebol de Joinville (SC); Hermenegilgo Cappatti é advogado e professor universitário; Vanderlei de Lima é filósofo e dirige o Projeto Toppaz.

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