quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O Marketing de Emboscada no Carnaval Carioca


Prezados leitores,

Na tarde dessa quarta-feira de cinzas, ansioso para o início de Real Madrid x Manchester United,  ao trocar os canais de minha televisão, deparei-me com a transmissão da apuração dos votos do Carnaval do Rio de Janeiro, direto da Marquês de Sapucaí.

Ao final da contagem das notas dadas pelos jurados após avaliação dos quesitos, foi consagrada como campeã, pela terceira vez em sua história, a escola de samba “Unidos de Vila Isabel”.

   Por óbvio não será objeto de discussão no presente post, as razões que levaram a escola de samba do consagrado cantor Martinho da Vila, a lograr o posto mais alto do carnaval carioca. Assim, muitos podem estar a se questionar: O que então se abordará nesse espaço? Que relação possui a apuração dos votos do carnaval do Rio de Janeiro com o Direito Desportivo, a ponto de ensejar a criação de um artigo?

   Ora, em princípio poderíamos discorrer sobre a possibilidade de aplicação do Estatuto do Torcedor nesse tipo de competição protagonizada pelas escolas de samba, como inclusive já o fez com notável profundidade, o advogado e Mestre em Direito Desportivo, Gustavo Souza[1]. No entanto, o modo com que a TV Globo transmitiu a apuração dos votos e, a estratégia de marketing adotada por uma empresa de cerveja não-patrocinadora dessa festa popular, brindou-nos a possibilidade de discutirmos um tema relativamente inédito no Direito.
  Trata-se do “Ambush Marketing”, para o português traduzido como ‘marketing de emboscada’, atualmente dividido em marketing por intrusão e por associação.
    Referido instituto encontra-se previsto no ordenamento jurídico pátrio somente nos artigos 7º e 8º da Lei do Ato Olímpico[2] (12.035/2011) e nos dispositivos 32 e 33 da Lei Geral da Copa[3] (12.663/2012), in verbis:

Art. 7º  É vedada a utilização de quaisquer dos símbolos relacionados aos Jogos Rio 2016 mencionados no art. 6º para fins comerciais ou não, salvo mediante prévia e expressa autorização do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016 ou do COI.

Art. 8º  A vedação a que se refere o art. 7º estende-se à utilização de termos e expressões que, apesar de não se enquadrarem no rol de símbolos mencionados nesta Lei, com estes possuam semelhança suficiente para provocar associação indevida de quaisquer produtos e serviços, ou mesmo de alguma empresa, negociação ou evento, com os Jogos Rio 2016 ou com o Movimento Olímpico.
Marketing de Emboscada por Associação
Art. 32.  Divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA:
 Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
 Parágrafo único.  Na mesma pena incorre quem, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de Ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou atividade comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica.
 Marketing de Emboscada por Intrusão 
Art. 33.  Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.
Historicamente, consoante os valorosos ensinamentos de SALGUERO & PUIG (2007)[4], as práticas de marketing de emboscada, “surgiram durante os Jogos Olímpicos de Los  Angeles de 1984. Tanto os organizadores do evento como seus patrocinadores se aproveitaram das grandes possibilidades de lograrem benefícios econômicos com o movimento olímpico, devido a sua crescente popularidade e difusão mediática internacional.  Por sua vez, Jerry Welsh, publicitário contratado pela American Express, durante os anos 80, foi quem criou a expressão “ambush marketing”, quando planificava diversas estrategias comerciais para aproveitar os vazios deixados pelos contratos de patrocínio nos grandes eventos desportivos, como eram os Jogos Olímpicos de Los Angeles de 1984”.

O advogado e especialista em marketing de emboscada, Leonardo Andreotti, em seu artigo “A previsão do Ato Olímpico contra as práticas do Marketing de Emboscada – Rio 2016”, publicado na Revista Científica Virtual da Escola Superior de Advocacia de São Paulo. (2012 – ANO IV, número 10), conceitua o ambush marketing “como uma grande oportunidade para que uma empresa, embora não tendo qualquer relação contratual com o evento, possa obter algum reconhecimento e certos benefícios ao estar a ele relacionada, se fazendo passar por patrocinador oficial, ainda que sem qualquer menção a respeito”.

Uma vez verificado o aparecimento desse tipo de prática, pode-se afirmar com amparo na doutrina nacional mais balizada, hodiernamente capitaneada pelo estudioso Leonardo Andreotti, acima destacado, que as principais consequências costumam ser (i) a desvalorização do valor dos patrocínios oficiais para os eventos posteriores, (ii) a criação de inúmeros outros riscos e prejuízos à boa visibilidade e, na grande maioria das vezes, à viabilidade financeira de tais eventos, haja vista que muitos somente podem ser realizados justamente em virtude da verba de patrocínio que auferem.
Infelizmente para a empresa de cerveja Devassa, do Grupo Schincariol, tais efeitos foram sentidos durante as quase duas horas de transmissão da apuração dos votos do carnaval carioca, veiculadas não só para o território nacional, mas para outros países do planeta pela Globo Internacional, após ação de marketing, na modalidade ‘por associação’, protagonizada pela concorrente e nacionalmente conhecida marca de cerveja, “Itaipava”.
Essa empresa que já havia realizado similar ação na partida final da Copa Santander Libertadores 2012, vencida à época pelo Sport Club Corinthians Paulista, novamente aproveitou-se da grande audiência garantida pela massa nesses tipos de eventos, para além de divulgar sua marca, tentar fazer-se passar pela patrocinadora oficial do universal carnaval do Rio de Janeiro.
As fotos abaixo colacionadas comprovam que, se a empresa Itaipava não logrou passar a imagem de que era ela, no ramo da cervejaria, a patrocinadora oficial do Carnaval Carioca, ao menos confundiu a cabeça do público quanto a exclusividade da Devassa como única patrocinadora, ainda que, por muitas vezes, as câmeras da TV Globo exibiam copos e latas dessa última marca, ao filmarem as mesas onde se encontravam os integrantes das agremiações culturais.

Imagem ‘1’ - Fonte: Globo.com


Imagem ‘2’



Imagem ‘2’ ampliada.
Imagem ‘2’ duas vezes ampliada.
Como visto, a marca que inicialmente receberia “exclusividade na venda de cerveja no Sambódromo, e, ainda, estaria presente nos 700m  da passarela do samba”[5], dividiu as atenções do publico  com uma de suas principais concorrentes. Muito provavelmente, não apenas durante a apuração dos votos, mas também durante os dois dias de desfile do Grupo Especial.
Casos inéditos como esses, alheios ao universo do futebol, acabam por levantar a ideia da criação de uma legislação nacional de vigência, em principio, ilimitada, que venha a proteger os interesses - direitos de propriedade intelectual e industrial, de futuros organizadores de eventos, sejam eles esportivos ou não, como é o caso dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro.

Certamente se os dispositivos da Lei Geral da Copa  fossem aplicados no presente caso, a marca Itaipava seria condenada a pagar vultuosa compensação financeira ao Grupo Schincariol, além de sofrer repercussão negativa entre os consumidores.

Portanto,  como se pode notar, o tema referente ao Ambush Marketing merece por seu ineditismo e alta capacidade de gerar discussões sobre suas variadas vertentes, conforme avaliou Leonardo Andreotti, “com toda certeza, a atenção dos juristas e estudiosos envolvidos na esfera comercial de eventos esportivos (ou não)[6], uma vez que a percepção e opinião da doutrina quanto ao tema não é unânime, tendo referida prática, distintas interpretações a respeito de sua ilicitude e imoralidade, já que, por vezes, pode representar uma prática sadia ao mercado esportivo em geral, ao promover uma concorrência saudável para a economia”[7].




[2] Institui o Ato Olímpico, no âmbito da administração pública federal, com a finalidade de assegurar garantias à candidatura da cidade do Rio de Janeiro a sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 e de estabelecer regras especiais para a sua realização.

[3]Cumpre ressaltar que referida lei é dotada de efeitos temporários e somente possui aplicação junto à Copa das Confederações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude – 2013.

[4] SALGUERO, José Piñeiro & PUIG, Antoni Rubí. Ambush marketing en eventos deportivos – Modalidades principales y sus consecuencias juridicas - InDret – Revista para el Análisis del Derecho –Disponível en <>.

[6] Retificação/Adição desse subscritor em razão do surgimento do presente caso.

[7] ANDREOTTI, Leonardo. “A previsão do Ato Olímpico contra as práticas do Marketing de Emboscada – Rio 2016”. Artigo publicado na Revista Científica Virtual da Escola Superior de Advocacia de São Paulo. (2012 – ANO IV, número 10).

Um comentário:

  1. Isso me lembra aquele jogo que o Vasco da Gama RJ usou o símbolo do SBT.

    Onde está o símbolo da Itaipava me parece ser uma casa, talvez um bar, fora da Sapucaí.

    Eu não entendi uma coisa. Se eu tiver uma casa, onde está essa da Itaipava, por exemplo, e pintar a marca da concorrente como neste caso, pelo motivo de não gostar da patrocinadora e sim da concorrente, ai a marca pintada está cometendo crime?

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