terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Comportamento anti-desportivo grosseiro

Conforme dito no post anterior, o presente artigo versa acerca da punição ao goleiro suplente, José Pinto, do F.C Barcelona, por ter imitado o som do apito do juiz em uma jogada de contra-ataque do F.C Coppenhagen, em partida realizada no estádio Camp Nou, Catalunya, Espanha, válida pela 1a fase de grupos da Liga dos Campeões da Europa.


Na partida supracitada, válida pelo Grupo D da Champions League 2010/2011, o goleiro Pinto travou um ataque perigoso da equipe dinamarquesa, do avançado César Santin, ao "apitar" o lance, fazendo com o que o atacante brasileiro desistisse da jogada e consequentemente não marcasse para a equipe visitante.


Veja o lance no link abaixo:



















Notem que a reação dos narradores é incrivel e ao mesmo tempo de muita surpresa. Perguntam-se repetidamente o que passou para o jogador ter desistido do ataque!

A resposta surgiu somente após a partida, em entrevista de César Santin aos meios de comunicação da UEFA. Ele afirmou que o que Pinto fez foi sujo.

“Pensei que tinha sido o árbitro (a apitar), recordo-me perfeitamente da jogada e ouvi um apito, por isso é que parei. Creio que Pinto não devia ter feito isso, pois era uma oportunidade de golo para a nossa equipa” (1).

Indignados com a atitude do atleta culé, a equipe Dinamarquesa, adentrou em forma e tempo hábil (por escrito e em até 24hrs depois da partida) com protesto perante o Comite de Controlo e Disciplina da UEFA para que o arqueiro fosse devidamente julgado e por ventura, punido.

Os nórdicos se utilizaram dos artigos 22 e 23 do Código Disciplinar da UEFA que tratam do instituto do protesto nas competições que a entidade européia organiza.

Art 22: As associações membros da UEFA e os clubes possuem o direito de protestar. O inspetor disciplinar da UEFA também tem status de parte no processo. (traduzido)

22.1: As razões do protesto devem ser encaminhadas por escrito e, em 24 hrs após a partida, ao Orgão de Controle e Disciplina da UEFA.
(traduzido)

23.1: O protesto busca arguir a validade do resultado de uma partida. É baseado na eligibilidade ou não do atleta para atuar, uma falha decisiva dos árbitros para com o regulamento (erro de direito) ou outros incidentes que influenciaram a partida. (traduzido)

Nota-se que o protesto foi baseado no último item do artigo 23.1, "incidentes" que influenciaram a partida. O som do apito do goleiro do Barça, claramente influenciou na partida, haja vista a ilusão criada gerou uma interrupção de contra-ataque e uma possível chance de gol.

Desta forma, o Comitê de Controlo e Disciplina da UEFA recebeu o protesto e prontamente abriu inquérito para apurar o caso.

Após análise dos diversos vídeos do mesmo lance, o Comitê de Controlo e Disciplina da UEFA, entendeu que o goleiro havia mesmo apitado o lance em questão, qual seja, a paralisação do contra ataque da F.C Coppenhaguen, e decidiu punir o goleiro Pinto com 2 jogos de suspensão, por conduta anti-desportiva grosseira.


O supedâneo legal para a punição de 2 partidas do goleiro reserva do Barcelona, encontra-se nos artigos 5º, caput e alíneas b e j; 8º; e 10º, caput, alínea a, inciso 5, do Código Disciplinar da UEFA, todos também já traduzidos:

Art 5º - dos princípios de conduta desportiva:

Membros associados, clubes, bem como os jogadores e membros oficiais dos clubes (comissão técnica, diretores), devem seguir uma conduta condizente com os principios da lealdade, integridade e esportividade (fair-play).

Serão punidos as pessoas que:

b) cuja conduta/comportamento insulta ou viola as regras básicas de uma conduta esportiva decente;
(grifei)

j) pessoa que age de maneira a influenciar no progresso da partida e/ou resultado da partida por meios contrários aos defendidos pela UEFA, para se beneficiar a si próprio ou a terceiros. (grifei)

Art 8º - dos Príncipios:

A conduta anti-desportiva, viola as regras do jogo, bem como infringe o estatuto, regulamentos e decisões da diretiva da UEFA. Estas condutas são puníveis pelas normas disciplinares;

As penas disciplinares previstas poderão ser tomadas contra todos os listados no artigo 3º (Clubes, Membros associados, Membros Oficiais, Jogadores, árbitros e oficiais da UEFA que estejam trabalhando na organização de uma partida) do presente regulamento, para delitos antes, durante e depois da partida. (grifei)


Art. 10º - má conduta:

As penas disciplinares são aplicáveis para jogos desta competição:

a) Suspensão de uma partida ou período específico para:

5. Conduta Anti-Desportiva.

Certamente, causa estranheza a punição de duas partidas para o arqueiro Pinto, haja vista o próprio Código Disciplinar determina em seu artigo 10º, inciso 5, pena de apenas 1 partida para conduta anti-desportiva. Entretanto, esta conduta foi considerada grosseira, ficando passível de ser tipificada nos termos da alínea b, do mesmo artigo.

b) suspensão por duas partidas ou periodo determinado por incomodar ou insultar em jogo oficial. (traduzido)


Ora, a palavra incomodar gera uma enorme subjetividade, ainda mais no idioma inglês, de onde foi traduzido, no qual as palavras adquirem variados significados. Sendo assim, vejo por dois prismas distintos, embora muito próximos disciplinarmente falando, a condenação do goleiro Pinto que se deu em primeiro grau de jurisdição no sistema disciplinar da UEFA, Comitê de Controle e Disciplina.

O primeiro prisma a ser vislumbrado, concerne na subjetividade que a palavra "incomodar" nos remete. A meu ver, ela pode ser interpretada também por "causar desconforto" e/ou "atrapalhar". Fato é que conforme demonstram as imagens do vídeo, o goleiro espanhol, gerou sim, uma enorme confusão no lance, atrapalhando o atacante do Coppenhaguen. Aí que pode ter residido sua condenação nesta alínea e condenação da pena para 2 partidas, conforme determina o diploma legal.

Quanto a segunda explicação para tal penalidade, a majoração da pena resta facilmente identificada, ao evidenciarmos o adjetivo "grosseira", utilizado pelo Controle e Comitê Disciplinar da UEFA, quando determinou sua suspensão por 2 partidas. Muito provavelmente, o fato de o arqueiro ter ultrapassado os limites do fair-play, ao enganar sorrateiramente, não só seu companheiro de profissão, mas a todos que estavam em campo, ao imitar e se passar por árbitro, tenha feito que a pena inicial de uma partida fosse devidamente ampliada à duas partidas.

Realizado o julgamento e assentado o entendimento quanto a condenação de Pínto, o clube catalão entrou com recurso/apelação (artigo 24), requerendo a absolvição de seu atleta. Alegaram que a pena foi em demasia injusta e que as provas juntadas aos autos, não eram suficientemente elucidativas ao ponto de suspender seu atleta.

Art. 24: O Comitê de Recursos lida com os recursos advindos contra decisões do Comitê e Controle Disciplinar da UEFA. (Cumpre aqui informar que o prazo para entrar com recurso no sistema europeu é de 3 dias, após o recebimento dos argumentos da decisão).

Entretanto, o Comitê de Recursos rejeitou o recurso interposto pelo Clube da Catalunya e, a pena se manteve. José Pinto precisou cumprir punição nas últimas duas partidas do Barcelona na fase de grupos da Champions League, contra Coppenhaguen e Panathinaikos, respectivamente.

Caríssimos leitores, confesso que jamais havia visto caso semelhante em qualquer campeonato de âmbito nacional ou internacional. A suspensão, sob minha ótica, se mostrou justa e temporal, mesmo que feita após a partida. O atleta escapou da punição dentro das 4 linhas, contudo não teve a mesma sorte no rigoroso Controle Disciplinar da UEFA.

Trazendo o presente exemplo à baila de nosso ordenamento jurídico desportivo, acredito que tal conduta, enquadrar-se-ia nas penas do art. 250 do CBJD, qual seja, praticar jogada hostil ou desleal, ferindo a ética do jogo.

A doutrina nos ensina que esta prática é contra os bons costumes, devendo ser automaticamente abominada e passível de punição imediata e exemplar.

Art. 250: Praticar ato desleal ou hostil durante a partida, prova ou equivalente.

Pena: suspensão de uma a três partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este código.

§1º Constituem exemplos da infração prevista neste artigo, sem prejuízo de outros:

I - impedir de qualquer forma, em contrariedade às regras de disputa do jogo, uma oportunidade clara de gol, pontuação ou equivalente.

Em breves linhas, sabe-se que o ato desleal é aquele praticado à traição, em abuso à confiança da vítima. É anti-desportivo, rejeitável, contrário a ética desportiva. Não só engana ao jogador diretamente envolvido na jogada, mas as vezes também toda a equipe de arbitragem, demais jogadores, comissão técnica e espectadores.

É o caso do uso da mão na bola para impedir um gol e, agora o caso do goleiro Pinto que imitou o som do apito do árbitro para interromper um perigoso contra-ataque.

Quase chegando ao fim do presente texto, imagino que muitos já se perguntaram no decorrer desta leitura, como a UEFA teve a certeza de que o arqueiro José Pinto realmente assobiou no lance?

Para espanto da maioria, a pergunta foi respondida posteriormente ao resultado do julgamento do recurso, pelo próprio envolvido. Pinto, assim explanou:

"Continuo a assobiar para comunicar com os defesas, parece-me uma maneira totalmente legal de o fazer. Também é normal que os treinadores, que têm de dar muitas ordens durante um jogo, assobiem. Se o árbitro tivesse ouvido, tinha de marcar livre indireto e dar-me um amarelo". (2)

Vejo que se deve dar os parabéns a UEFA e os membros do Comitê Disciplinar que através das provas de vídeo, conseguiram identificar o verdadeiro culpado deste ato de indisciplina tão desleal e consequentemente anti-desportivo.

Diferentemente do caso do Real Madrid, anteriormente abordado neste espaço, aqui se têm uma prova robusta, ou seja, foi possível evidenciar dos vídeos juntados aos autos, o som do apito do juiz, sendo imitado por José Pinto. No caso de José Mourinho e seus atletas, as acusações se mostraram apenas suposições, já que as provas (fotos, filmagem) em nada permitiriam condená-los. Ademais, a conduta incriminada, a meu ver, em nada tem de anti-desportiva, conforme já expliquei em miúdos minha posição.

Encerro, esperando que atos de indisciplina como o abordado neste artigo, não se repitam mais nos campos de futebol de todo o planeta.


Grande Abraço,


Fiquem com Deus!

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