quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Resolução da Presidência do TJD-FPF extrapola competência da Justiça Desportiva


Na data de 27/02/2013, o Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Futebol, publicou a resolução 01/2013[1]:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESPORTIVA DO FUTEBOL DO ESTADO DE SÃO PAULO

LEI 9.615 DE 24.03.1998.

RESOLUÇÃO 001/2013


O Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva - TJD, no uso de suas atribuições legais, 

Considerando o recente episódio ocorrido na cidade de Oruro, Bolívia, durante a partida entre o Club Desportivo San José e Sport Club Corinthians Paulista, pela da Copa Libertadores, que vitimou um torcedor local, na arquibancada, atingido por artefato pirotécnico disparado por um torcedor brasileiro;

Considerando que fatos como este, além de lamentável, prejudicam a imagem desportiva brasileira em momento de preparação para a Copa do Mundo da Fifa Brasil 2014 e outros torneios nacionais e internacionais;

Considerando que prática desta natureza pode ocorrer em eventos esportivos no País e na área de jurisdição desportiva deste Tribunal;

Considerando que o TJD tem competência para processar e julgar infrações disciplinares cometidas pelas pessoas naturais ou jurídicas sob jurisdição deste Tribunal, para coibir a ocorrência de fatos semelhantes ao acima descrito;

Considerando o disposto nos artigos 1º-A, 13 caput, 13-A, incisos II, VI e VII e VIII e parágrafo único, 14 caput, inciso I, 19, 41-B caput e §1º, incisos I e II, todos da Lei nº 10.671/2003, alterada pela Lei nº 12.299/10 (Estatuto do Torcedor) sobre a prevenção da violência nos esportes;

Resolve:

1) - Determinar ao Presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol – FPF, para que todos os árbitros registrados e em exercício neste Estado sejam orientados no sentido de que, percebida a utilização de fogos, sinalizadores ou afins no interior do estádio, tomem as seguintes providências:

a) Imediata interrupção temporária do jogo para comunicação dos fatos ao delegado da partida, bem como ao policiamento local para as providências de natureza policial.

b) Consignação em súmula e/ou relatório de forma detalhada do ocorrido, com indicação da torcida que teria praticado a ação, possibilitando a devida apreciação pela Procuradoria da Justiça Desportiva segundo as disposições contidas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD, Regulamento Geral das Competições - RGC, Estatuto do Torcedor e legislações correlatas, de forma que, pela Justiça Desportiva, sejam fixadas as medidas em face dos responsáveis (torcedor, torcidas e entidades de prática desportivas).

2) - Determinar à fiscalização da FPF presente ao evento que relate detalhadamente eventuais ocorrências de tal natureza, relatório esse que deverá ser encaminhado ao TJD.

Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Registre-se. Publique-se e cumpra-se, dando-se ciência ao Presidente da FPF, a Procuradoria do TJD, a todos os Auditores de 1ª. e 2ª. Instâncias do TJD, aos Presidentes de todas as entidades de prática desportiva deste Estado, ao Ministério Público do Estado de São Paulo, ao Comando da Polícia Militar e ao Presidente do STJD.

São Paulo, 27 de fevereiro de 2013.

Mauro Marcelo de Lima e Silva
Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva

COMENTÁRIOS:

Prezados leitores, tomei nota do conteúdo dessa resolução a partir do artigo escrito pelo Dr. João Romero, disponibilizado em sua página do facebook.

Resumidamente, no entender do colega escritor, essa resolução é um atestado explícito de que a Federação Paulista de Futebol até a presente data, não cumpria o que a lei determina, ou seja o expresso texto do Estatuto do Torcedor, em seu art. 13-A, inciso VII e parágrafo único. Ademais, como bem lembrou o Autor, a mesma somente foi expedida por pressão popular em razão da tragédia em Oruro, Bolívia.

Em que pese concordar “in totum” com os termos apresentados no artigo, quero aqui realizar outra abordagem acerca de uma questão não menos importante.

A curiosa resolução de número 01/2013, expedida pelo Tribunal de Justiça Desportiva  da Federação Paulista de Futebol, como será visto neste breve artigo, além de se mostrar inócua, conseguiu extrapolar a competência da Justiça Desportiva, razão pela qual deve ser tida como ilegal. Entretanto, um item escapa desse desconhecimento jurídico e consegue ser digno de elogios. Vejamos.

Inócua porque não é necessário ventilar aos membros do Tribunal de Justiça Desportiva, arbitragem e demais integrantes da FPF, em atuação nos dias de jogos, a existência do artigo 13-A do Estatuto do Torcedor, como norma legal passível de ser utilizada para eventual denúncia da Procuradoria. Em síntese, constitui dever básico dos envolvidos possuírem conhecimento das leis aplicáveis no certame esportivo e zelar por sua perfeita aplicação.

Ato contínuo sabe-se que o cumprimento dessas leis, por seu turno, deve ser feito, observadas às devidas competências, essas dispostas, in casu, na Constituição Federal, Lei Pelé, Estatuto do Torcedor e Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

 Infelizmente, foi exatamente o que não fez a resolução ora comentada.

 Isso se verifica primeiramente em especificos ‘considerandos’ previstos na resolução e, sobretudo, na alínea ‘b’ do item 1, in verbis:

“Considerando que o TJD tem competência para processar e julgar infrações disciplinares cometidas pelas pessoas naturais ou jurídicas sob jurisdição deste Tribunal, para coibir a ocorrência de fatos semelhantes ao acima descrito;

Considerando o disposto nos artigos 1º-A, 13 caput, 13-A, incisos II, VI e VII e VIII e parágrafo único, 14 caput, inciso I, 19, 41-B caput e §1º, incisos I e II, todos da Lei nº 10.671/2003, alterada pela Lei nº 12.299/10 (Estatuto do Torcedor) sobre a prevenção da violência nos esportes.

Resolve:

1) - Determinar ao Presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol – FPF, para que todos os árbitros registrados e em exercício neste Estado sejam orientados no sentido de que, percebida a utilização de fogos, sinalizadores ou afins no interior do estádio, tomem as seguintes providências:

b) Consignação em súmula e/ou relatório de forma detalhada do ocorrido, com indicação da torcida que teria praticado a ação, possibilitando a devida apreciação pela Procuradoria da Justiça Desportiva segundo as disposições contidas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD, Regulamento Geral das Competições - RGC, Estatuto do Torcedor e legislações correlatas, de forma que, pela Justiça Desportiva, sejam fixadas as medidas em face dos responsáveis (torcedor, torcidas e entidades de prática desportivas[2].

Ora, afirmar que a Justiça Desportiva, possui legitimidade e competência para aplicar medidas punitivas contra específicos ou inúmeros torcedores que eventualmente utilizem fogos de artifício nas arquibancadas, soa como dos mais absurdos jurídicos já proferidos nessa tão nobre seara do Direito! Em outras palavras, trazendo para o jargão popular, segundo entendimento dessa resolução, seria possível ao Procurador de Justiça Desportiva, denunciar e, portanto, trazer ao banco dos réus do Tribunal de Justiça Desportiva da FPF, um torcedor ou uma enorme gama de torcedores, sejam eles de organizadas ou não.

Ainda que eu torça para que essa distorção jurídica tenha ocorrido em função de falhas de semântica no momento da redação por parte do subscritor da resolução, Dr. Mauro Marcelo de Lima e Silva, imprescindível destacar que o erro constatado quanto à questão de competência, poderia ter sido evitado com o simples (põe simples nisso) estudo do conteúdo previsto nos artigos 217 da Constituição Federal, 49 e 50 da Lei Pelé, 41-B do Estatuto do Torcedor e 1º e 24 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Inicialmente os artigos 49 e 50 da Lei Pelé regulam o âmbito de competência da Justiça Desportiva, remetendo em seguida ao Código Brasileiro de Justiça Desportiva sua organização, funcionamento e atribuições, senão veja-se:

LEI PELÉ
CAPÍTULO VII
DA JUSTIÇA DESPORTIVA

Art. 49. A Justiça Desportiva a que se referem os §§ 1o e 2o do art. 217 da Constituição Federal[3] e o art. 33 da Lei no 8.028, de 12 de abril de 1990, regula-se pelas disposições deste Capítulo.

Art. 50.  A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidos nos Códigos de Justiça Desportiva, facultando-se às ligas constituir seus próprios órgãos judicantes desportivos, com atuação restrita às suas competições.  § 1o As transgressões relativas à disciplina e às competições desportivas sujeitam o infrator a:

I - advertência; II - eliminação; III - exclusão de campeonato ou torneio; IV - indenização; V - interdição de praça de desportos; VI - multa; VII - perda do mando do campo; VIII - perda de pontos; IX - perda de renda; X - suspensão por partida; XI - suspensão por prazo. § 2o As penas disciplinares não serão aplicadas aos menores de quatorze anos.§ 3o As penas pecuniárias não serão aplicadas a atletas não-profissionais. § 4o Compete às entidades de administração do desporto promover o custeio do funcionamento dos órgãos da Justiça Desportiva que funcionem junto a si. 

CBJD 

Artigo 1º:

A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva brasileira e o processo desportivo, bem como a previsão das infrações disciplinares e de suas respectivas sanções, no que se referem ao desporto de prática formal, regulam-se por lei e por este Código.

§1º Submetem-se a este Código, em todo o território nacional: I – as entidades nacionais e regionais de administração do desporto; II – as ligas nacionais e regionais; III – as entidades de prática desportiva, filiadas ou não às entidades de administração mencionadas nos incisos anteriores; IV – os atletas profissionais e não-profissionais; V – os árbitros, assistentes e demais membros da equipe de arbitragem; VI – as pessoas naturais que exerçam quaisquer empregos, cargos ou funções, diretivos ou não, diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva, em entidades mencionadas neste parágrafo, como, entre outros, dirigentes, administradores, treinadores, médicos ou membros de comissão técnica; VII – todas as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto que não tenham sido mencionadas nos incisos anteriores, bem como as pessoas naturais e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas.

Artigo 24:

 Os órgãos da Justiça Desportiva, nos limites da jurisdição territorial de cada entidade de administração do desporto e da respectiva modalidade, têm competência para processar e julgar matérias referentes às competições desportivas disputadas e às infrações disciplinares cometidas pelas pessoas naturais ou jurídicas mencionadas no artigo 1º, §1º.

Notem caros leitores, que em nenhum dos dispositivos acima destacados, o(s) torcedor(es) é/são mencionado(s) para fins de submissão às normativas existentes no Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Isso por uma razão óbvia. O torcedor é espectador. Logo, não está sujeito a ser julgado por um Código cuja competência é julgar matérias relativas às competições, como infrações disciplinares ocorridas durante a pugna desportiva e demais divergências advindas das competições desportivas (descumprimento de regulamentos, etc).

Destarte, elucidando a controvérsia criada pela Resolução, cumpre informar que no atual ordenamento jurídico desportivo, será a Lei 10.671/2003, popularmente conhecido como Estatuto de Defesa do Torcedor, responsável por atribuir eventual punição a um ou mais torcedores em razão da utilização, in casu, de artefatos pirotécnicos, contemplados no artigo 13-A, incisos VI e VII, abaixo transcritos:

Art. 13-A.  São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:  (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

VI - não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

VII - não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

Uma vez constatada a utilização desse objeto, conforme o parágrafo único do mesmo artigo poderá o torcedor ser impossibilitado de ingressar ao recinto esportivo, ou, se for o caso, ser imediatamente afastado do interior do estádio, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais eventualmente cabíveis. 

Tais sanções administrativas são de competência do próprio organizador da competição[4] ou do clube mandante. Já no que concerne as penas civis ou penais, estas encontramos nos respectivos artigos do Estatuto do Torcedor.

Art. 39-A.  A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos. 

Art. 39-B.  A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento.

Art. 41-B.  Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos:  
Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.  
§ 1o  Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: I - promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento; II - portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.§ 2o  Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo. § 3o  A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. § 4o  Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada. § 5o  Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2o. 

Assim, pode se confirmar após leitura detalhada dos artigos acima destacados, que ao contrário do que afirmou o Presidente do TJD-FPF, quem verdadeiramente possui competência para julgar os atos de um ou mais torcedores, será a Justiça Comum, jamais a Justiça Desportiva.

Nesse sentido, inclusive o próprio Estatuto do Torcedor, por meio de seu artigo 41-A, objetivou acelerar o processo e julgamento dos torcedores infratores, com a faculdade de criação de Juizados do Torcedor a serem instalados no interior das praças desportivas.

Art. 41-A.  Os juizados do torcedor, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pelos Estados e pelo Distrito Federal para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das atividades reguladas nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

Portanto, a resolução acaba por ser ilegal ao contrariar expressamente o que dispõe a Lei Pelé, Estatuto do Torcedor e CBJD, não possuindo qualquer condão para produzir efeitos jurídicos, especificamente no que toca à competência.

 Por fim, como sinalizado no inicio do presente post, ao menos um ponto positivo restou de todo esse desconhecimento jus-desportivo. Ainda que em duvidosa competência, o Presidente do TJD, acertou ao determinar que os árbitros sejam orientados a paralisarem partidas em que fiquem constatados o uso de tais artefatos. Ora, qual torcedor não vai parar com o uso do sinalizador quando evidente o risco de não poder mais ver a sua equipe do coração continuar disputando a partida?

Ao final deixo uma questão para debate. Será que deveríamos ir mais além como fez o árbitro da partida entre River Plate x Huracán, que paralisou a partida após escutar os torcedores pertencentes a barra-brava “Los Borrachos del Tablón”, proferirem cânticos xenófobos contra bolivianos, torcedores do Boca Juniors?

Veja o vídeo, reflita, tire suas conclusões e deixe seu comentário.



Abraços!



[1] Disponível em: http://www.futebolpaulista.com.br/tjd/resolucoes/2013/02/27/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20001&slas2013
[2] Quanto à possibilidade de se levar a julgamento entidades de prática desportiva por eventuais atos de suas torcidas, inexiste por parte desse subscritor, em termos de legalidade, qualquer objeção, haja vista a existência do artigo 213 do CBJD.

[3] Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. § 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.


[4] A FPF por inúmeras vezes emitiu sanções administrativas às torcidas organizadas, impedindo-as de comparecem com seus adereços e instrumentos musicais após eventos danosos contrários ao Estatuto do Torcedor e Regulamento Geral da Competição. Para conferir acesse: www.fpf.org.br

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Torcidas Organizadas: Sinônimo de violência? Breves considerações sobre a tragédia de San José.




Escrevi na minha página no facebook, resposta ao amigo Felipe Daniel Colla, com relação a tragédia de San José e sobre a 'necessidade de exclusão das Torcidas Organizadas dos estádios', por ele aventada. A seguir, transcrevo referido texto para fomentarmos o debate e, ao final, acrescento algumas considerações realizadas nesses últimos dias.

***

Já dizia o saudoso Eduardo Galeano: “el futbol es un espejo del mundo. Y este mundo de nuestro tiempo es tan violento que transpira violencia por todos los poros”. Em outras palavras, o que ele quis dizer foi que pelo futebol ser um canal representativo da nossa sociedade, assim como o é na Argentina, terra natal do sociólogo, as torcidas acabam por ser facilmente estigmatizadas, quiçá, porque se tornaram o melhor meio de representação dos problemas sociais”.

Vanderlei de Lima, também sociólogo que escreveu juntamente comigo e o Dr. Gildo Cappatti, o livro “O protagonismo das Torcidas Organizadas na Promoção da Paz”, explica na sua obra em homenagem a TFI – Torcida Furia Independente do Guarani, que não se pode relativizar (não são todas torcidas que têm membros que matam e nem que morrem), os conflitos apresentados à população promovidos por integrantes de torcidas organizadas. Ele reforça que tais episódios não são das torcidas em si – daí ser inútil extingui-las -, mas do ser humano no seu caminho de interação cultural em seus “processos sociais básicos”. 

Com efeito, é preciso que se questione a partir dessa lamentável morte a seguinte indagação:

"Será que se tal fato ocorresse em uma partida disputada entre The Strongest x Caracas", haveria a mesma repercussão hoje experimentada? 

Pode parecer incoerente o que vou dizer, mas dentre todas as tristezas sentidas, ao menos um ponto positivo pode ser extraído. O episódio aconteceu com o Corinthians, o clube que sempre rende notícia.

Assim, poderemos iniciar debates sensatos sobre a questão da violência entre torcedores, sejam eles de organizada ou não.

Só para constar e fomentar o debate, desde o ano de 2007, conforme dados do jornal o Lance!, a violência no futebol entre torcedores aumentou em 200%, especificamente quando a CBF e o Ministério Público proibiram o consumo de cerveja nos estádios.

Outrossim, no ano passado, até o mês de maio, contabilizei somente por meio de notícias de jornais impressos e eletrônicos, 9 mortes no futebol brasileiro. Já nessa última semana, um torcedor em Pernambuco também veio a óbito. 

Logo, porque também não tratamos de discutir esses episódios? Será porque não interessa o que ocorre fora das arquibancadas? Estão a olvidar do que prevê o EDT acerca da responsabilidade dos clubes e dos demais organizadores nas adjacências dos estádios e nos trajetos de ida e volta?

Ao que parece, uma vez “varrida a sujeira” para fora dos estádios, a repercussão não mais interessa a mídia sensacionalista, muito menos aos nossos organizadores de eventos esportivos e ao ineficiente Ministério Público que pouco faz pela proteção dos direitos dos torcedores.

Não estou aqui a dizer que no seio das torcidas organizadas não existem torcedores que são violentos e que por óbvio, deveriam ser punidos com suspensão, talvez, em reincidência, com a pena de banimento dos estádios como já o fez a Inglaterra e os Estados Unidos. No entanto, não poderemos jamais generalizar a torcida, muito menos tentar proibir o acesso das mesmas com vestimentas ou outros trajes que a associem. 

Devemos sim, tratar de aplicar o Estatuto do Torcedor, realizando o cadastramento previsto no artigo 2ºA, capacitando efetivos de segurança especializados em eventos esportivos, criando sistemas interestaduais de identificação de torcedores – banco de dados como existe em alguns países da Europa que exigem documento com foto (RG ou passaporte) para adentrar no estádio, entre tantas outras medidas que diminuam a impunidade. É preciso punir de forma exemplar apenas os torcedores que criaram uma tragédia, como é o caso do menino de San José.

Outrossim, questiono aos torcedores que pedem a exclusão do Corinthians ou a proibição dos torcedores nos estádios, o porque de não terem se pronunciado de maneira similar nos demais casos de morte que ainda continuam a ocorrer em nosso país, logicamente, fora dos estádios.

O que para mim fica claro, é que para aqueles sedentos por sangue, mortes, é preciso registrar que não existem torcedores de organizadas violentos, mas sim seres humanos problemáticos inseridos em nossa própria sociedade. Esses não só cometem crimes durante dias de jogos, mas também nos outros dias da semana. Agora, resta a você, saber ponderar essas informações e lutar para a reestruturação social e pessoal desses torcedores, bem como cobrar dos órgãos públicos, organizadores do futebol, o cumprimento das leis vigentes para que a paz retorne aos estádios. Resumidamente, acho que esse seria um caminho a trilhar, ainda que seja a longo prazo.

**

Acrescento: 

Estou a escutar afirmações do tipo: "O Corinthians tem o dever moral de sair da competição". Como visto acima, pelo crescente número de mortes, poucos seriam os clubes brasileiros aptos a participarem das pugnas desportivas. Praticamente as competições estaduais e nacionais organizadas pelas federações e CBF, contariam com poucos clubes. Ainda, se o Corinthians saísse deveria também o San José fazer o mesmo, haja vista que contribuiu para a entrada do sinalizador naval.

Quem sabe em nosso país, medidas como a tomada pela CONMEBOL, proibindo a entrada de torcedores ou mesmo a retirada de pontos de clubes que venham a possuir torcedores envolvidos em atos de violência sejam realmente eficazes, haja vista o nível de atraso cultural-evolutivo que hoje atravessamos. Nesse cenário, o verdadeiro torcedor irá pagar sem mesmo ter contribuído para o evento danoso. Será assim justo?

Não seria mais fácil introjetar no raciocínio dos torcedores que seus clubes não precisam ser punidos por atos isolados de violentos? Não poderiam os torcedores retirarem o exemplo de um torcedor que foi severamente punido, por vezes, banido, dos estádios para utilizarem em suas condutas? Lembro aqui rapidamente um caso em que um torcedor brasileiro invadiu um campo de baseball nos EUA para comemorar um homerun e três dias depois recebeu pena de 5 anos de serviços à comunidade, além de pena de banimento perpétuo do estádio! Não poderiam os torcedores iniciarem uma cultura de paz ao invés de apenas ficarem conjecturando e levantando a bandeira de proibicionismo e 'pena de morte' as organizadas? Não poderiam os torcedores cobrarem dos órgãos responsáveis medidas preventivas? Não se consegue, por acaso, aprender com o erro dos outros? Precisamos estender a punição quando ela não é necessária?

Infelizmente, atacando efeitos e não as causas, iremos vivenciar a longo prazo os mesmos problemas. Estamos alimentando um ciclo vicioso que reaparecerá periodicamente, como ocorrido em brigas protagonizadas até hoje por integrantes (não todos) da Mancha Verde e Independente, mesmo após a tragédia de 1995. Não diferente, a Holanda passa pelo mesmo problema: 

http://espn.estadao.com.br/post/312162_visitante-suspenso-por-violencia-em-2007-feyenoord-continua-sendo-problema-para-policia-holandesa

Com efeito, impende que seja registrado que quando ficar claro que um clube contribuiu com qualquer tipo de apoio para ações de torcedores violentos, sejam eles de organizadas ou não, deve também ser punido exemplarmente,  sobretudo, na pessoa dos dirigentes envolvidos. Quiçá, uma vultuosa compensação financeira e exigências de se realizar uma forte ação de informação e prevenção seriam interessantes, assim como a rápida e severa punição no âmbito criminal aos culpados, seguido da necessária publicidade.

Agora, o que penso poder generalizar para fazer proibir clubes a participarem de competições, seria utilizarmos o que a lei portuguesa já o faz: NENHUM CLUBE PARTICIPA DAS COMPETIÇÕES POR LÁ ORGANIZADAS SEM CUMPRIR COM UMA ESPÉCIE DE 'ESTATUTO DO TORCEDOR DE PORTUGAL'. 

Com a plenitude da Lei 10.671/2003, quem sabe as discussões sobre o universo da violência no futebol diminuiria e muito, até porque, sabemos que a violência jamais acabará sendo ela parte inata de todo ser humano e de qualquer sociedade, desde os nossos primórdios.

Por fim,  registro o meu luto, ainda que tardio pela morte do torcedor boliviano. Ojalá que essa tragédia tenha sido acidental para um minimo de conforto aos familiares.

Abraços!

FELIPE TOBAR



domingo, 17 de fevereiro de 2013

Organização do 'Brasil Open de Tênis' violou direitos dos torcedores

Após pagar R$ 300 para ver a final, fãs ficam sem lugar no Ibirapuera e sentam na escada
Por Gustavo Faldon, de São Paulo, para o ESPN.com.br
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Anel inferior do Ibirapuera lotado e com fãs nas escadas

Aparentemente, a organização do Brasil Open de tênis errou no cálculo. Isso porque vendeu mais ingressos do que o ginásio do Ibirapuera poderia comportar e alguns torcedores ficaram sem lugar para sentar, tendo que se acomodar nas escadas do local.

Segundo a empresa organizadora da competição, a Koch Tavares, a capacidade máxima do ginásio do Ibirapuera para este evento é de 9.300 mil pessoas. No entanto, o que se viu neste domingo, dia das finais de duplas e de simples do torneio com ninguém menos do que Rafael Nadal em ação na capital paulistana, foi que aparentemente o local estava com mais gente do que suportaria.

Torcedores se 'acomodando' nas escadas

Sem lugar para sentar, alguns torcedores acabaram se acomodando nas escadas do local. O setor onde isso ocorreu mais foi no anel inferior, mais perto da quadra central, onde o ingresso custava originalmente R$ 300 para as finais deste domingo. “Eu paguei R$ 300 e não tenho lugar para sentar”, reclamou Helio Mann, à reportagem do ESPN.com.br. Outro torcedor, que atende pelo nome de Walter Raucci, também reclamou do mesmo.

Os ingressos para o Brasil Open, segundo os torcedores, não continham numeração certa nas cadeiras. Bastava aos fãs ter a pulseira de determinada cor para adentrar o anel inferior e ter que lutar para assistir ao espetáculo em uma das cadeiras.

A organização do evento não informou ao certo o público pagante de cada dia do Brasil Open de 2013. No entanto, divulgou que um total de 57.465 mil pessoas compareceram na semana inteira do torneio, o que dá uma média de 8.200 por dia.

COMENTÁRIOS:

Prezados leitores,

Infelizmente, virou rotina presenciarmos notícias que denunciam o despreparo dos organizadores de  eventos esportivos realizados no país. 

Preços abusivos, enormes filas para adquirir os ingressos e total ou parcial ausência de conforto, são algumas das reclamações dos torcedores. Enquanto isso, aqueles que 'supostamente' promovem tais espetáculos,  continuam a auferir exorbitantes lucros em total afronta e desrespeito ao seus respectivos públicos-alvo.

Como visto pelas fotos acima colacionadas, torcedores que pagaram TREZENTOS reais precisaram assistir os astros Rafael Nadal e David Nalbandian, sentados, para não dizer, amontoados, no 'confortável' concreto disponibilizado pelos organizadores do Brasil Open. 

Somente a título de comparação, quem desejar assistir New York Knicks x Indiana Pacers, ao vivo, nessa próxima semana, no Bankers Life FieldHouse, sentado em uma cadeira extremamente confortável, no primeiro nível das arquibancadas, a 11 fileiras da quadra, pagará os mesmos trezentos reais desembolsados pelos torcedores flagrados pelas câmeras da ESPN. A isso, soma-se, a inteira disposição dos fãs do basquete, excelentes restaurantes, banheiros extremamente limpos e, ainda no intervalo, a apresentação de atrações artísticas para descontrair e passar de forma agradável o tempo sem bola 'quicando'.

Foto da partida entre Indiana x Oklahoma.  Podemos ver os torcedores 'circulados' sentados na 11ª fileira, com visão privilegiada da quadra.

Para quem estiver por lá ou queira apenas conferir os preços dos ingressos comercializados basta acessar:http://www.ticketmaster.com/event/0500490AFECCC804artistid=805952&majorcatid=10004&minorcatid=7

Notem, meus caros, o abismo de qualidade referente a prestação dos serviços dispensados aos torcedores no Brasil Open e em um simples jogo da temporada regular da NBA. 

Pode-se afirmar, sem margem de dúvidas, que a diferença reside sucintamente no modo como se trata e cultiva o principal produto de um evento esportivo: o torcedor-consumidor.

Como já o fiz nesse espaço,  os Estados Unidos nos exibem inúmeros exemplos nos quais os organizadores brasileiros deveriam se espelhar para modificar o terrível status quo. Como resultado, certamente reduziriam-se os riscos de violações aos direitos dos torcedores, o que, como cediço, não foi o caso da partida de tênis acima noticiada.

Nesse sentido, conforme defendido anteriormente, o Estatuto do Torcedor é perfeitamente aplicável aos eventos do tênis nacional e internacional realizados em nosso território, haja vista tratar-se de desporto profissional. Caso contrário, estaríamos a sustentar que Rafael Nadal e David Nalbandian, ambos atletas da Associação dos Tenistas Profissionais (ATP), os quais, frise-se, sustentam suas respectivas famílias por meio das participações nos campeonatos da temporada, não seriam profissionais do esporte! 

Portanto, os torcedores que ficaram sentados nas escadas do complexo desportivo Constâncio Vaz Guimarães, poderão, com base no artigo 22 do Estatuto do Torcedor, combinado com os dispositivos 14, §1º, I, II e 20, II do Código de Defesa do Consumidor, exigir o valor do ingresso pago, bem como eventual indenização por danos morais. 

Art. 22. São direitos do torcedor partícipe: 
I - que todos os ingressos emitidos sejam numerados; e

II - ocupar o local correspondente ao número constante do ingresso.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

Outrossim, cumpre informar aos torcedores que não puderam ocupar o assento adquirido constante no ingresso ser perfeitamente possível ajuizar similar demanda.  Foi exatamente o que fez um torcedor após ser impedido de ocupar o assento adquirido em partida de Voleibol, entre Brasil x Cuba, válida pelos Jogos Pan-Americanos de 2007 do Rio de Janeiro. 

Para melhor compreensão, disponibilizo abaixo, a ementa da ação proposta:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE COMPETÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. RELAÇÃO DO CONSUMO CONFIGURADA.
1.         Na ação principal a parte agravada objetiva o ressarcimento da importância de R$ 10,00 (dez reais) pagos pelo ingresso para assistir o jogo de vôlei entre Brasil e Cuba, realizado no dia 24/07/2007 no Ginásio do Maracanãzinho, na cidade do Rio de Janeiro, o qual não assistiu por não existir no local a poltrona nº 35, descrita no seu ingresso, bem como a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de danos morais.
2.         No caso em exame, comprovada a relação de consumo no negócio jurídico entabulado entre as parte, faculta-se ao autor da demanda a possibilidade de escolher o seu domicílio para o ajuizamento da ação. Inteligência do art. 6º, inc. VIII, do CDC, que tem por objetivo facilitar a defesa dos direitos dos consumidores.
3.         Igualmente aplicáveis à hipótese dos autos a Lei nº. 10.671/03 (Estatuto do Torcedor) e Lei nº. 9.615/98 (Lei Pelé), que asseguram a equiparação do torcedor ao consumidor, tendo em vista que não há a limitação pretendida nos diplomas legais precitados que tratam de eventos desportivos.

Por outra banda, não podemos olvidar do dever do Ministério Público, em atuar na defesa dos interesses dessa enorme gama de consumidores. É preciso que seja aberto inquérito contra a organização do Brasil Open, para ao final, se pertinente, aplicar severa reprimenda financeira, como acertadamente fizera o Ministério Público de Minas Gerais, após os lamentáveis episódios registrados na inauguração do Mineirão.

Por fim, registro que este espaço de amplo debate jus desportivo, jamais deixará de informar aos  torcedores de qualquer modalidade esportiva, os seus direitos. Todavia, se faz necessário e cada vez mais urgente que todos os cidadãos frequentadores de estádios e ginásios, comecem de uma vez por todas, a ler as disposições do Estatuto do Torcedor e, consequentemente, exigir o seu cumprimento.

Quiçá, para potencializar essa necessidade, poder-se-ia acrescer no corpo legal da referida Lei, a obrigatoriedade das entidades de prática e administração desportiva, em disponibilizarem aos torcedores, nos portões de acesso às praças desportivas,  cópias do Estatuto do Torcedor e do Código de Defesa do Consumidor. Medidas preventivas e educativas, como essa, podem e devem ser testadas para a melhoria do atendimento aos torcedores.


#ACORDATORCEDORBRASILEIRO!


Forte abraço e uma ótima semana a todos!

Fiquem com Deus!

FELIPE TOBAR