quinta-feira, 24 de março de 2011

(Im)Possibilidade de um Clube ou Atleta optar entre a Justiça Desportiva e a Justiça Comum.

Segundo nossa Carta-Magna, em seu art. 217, §1º, a Justiça Comum (Poder Judiciário) só admitirá ações relativas à disciplina e às competições esportivas se esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva. É o que manifesta o Príncipio da Inafastabilidade da Justiça. Contudo, o artigo supra-citado, a meu ver, refere-se ao condicionamento da solução do caso concreto em todas as instâncias desportivas e não à veemente proibição de adentrar diretamente ao judiciário, sem passar pelo crivo dos tribunais desportivos. Até porque certamente se estaria ferindo o princípio constitucional inscupido no art. 5º, XXXV, cuja garantia consiste no direito de invocar a atividade jurisdicional sempre que se tenha como lesado ou simplesmente ameaçado um direito individual ou não. Vejo que apenas promove-se o estímulo de se resolverem conflitos estritamente referentes às competições e problemas disciplinares advindo destas, nos próprios tribunais desportivos, em virtude, principalmente, do desafogamento do Judiciário e da morosidade que iria acarretar no desenrolar das competições esportivas, que em suas totalidades certamente requerem celeridade.

Ainda, no §2º, o constituinte limita um prazo de 60 dias, contados da instauração do processo para proferir decisão final. Rapidamente, sem maiores esclarecimentos, poder-se-ia entender que todos os processos desportivos tem tempo limite para encerrar, o que de plano é um equivoco. Estes 60 dias apenas significam que corridos o tempo (60 dias) fixado na Carta Constitucional, restará assegurado a quem interessar, independentemente do encerramento do processo disciplinar desportivo nas instâncias desportivas, entrar diretamente na Justiça Comum, se e somente se, sua causa for referente a conflitos disciplinares referentes às competições que disputam. Ou seja, os sessenta dias são o prazo para buscar a Justiça Comum e não para o encerramento da lide nos tribunais desportivos.

Em breves linhas, conforme resume de forma elucidativa, Paulo Schimitt, em seu livro Curso de Justiça Desportiva, “O referido prazo não retira da justiça desportiva a possibilidade de proceder ao andamento do processo disciplinar desportivo, não lhe retira o direito material, nem tampouco impede o seu exercício(...)Significa dizer que não haverá incidência do príncipio de esgotamento de instância desportiva pelo decurso de prazo, sem prejuízo da análise do feito, posteriormente, pela própria justiça desportiva”.

Entretanto, o clube ou atleta que recorrerem aos tribunais de justiça comum, poderão com base nas normas do Estatuto da FIFA (art. 61), serem alvo de rigorosas punições – vide exclusão dos quadros da FIFA e probição de competir em campeonatos por ela organizados, o que de per si já configuraria um conflito juridico entre legislações internacionais.

Hoje, sabe-se que a CBF está subordinada a estes dois ordenamentos que por muitas vezes se chocam. A CBF quando aderiu a FIFA e seu Estatuto, o fez de maneira voluntária, ou seja, conhecia suas regras e normas a serem cumpridas, mesmo que fossem contra o ordenamento brasileiro. A FIFA enquanto entidade suprema do futebol mundial, possuindo mais filiados do que a ONU, deve ser una, homogenea, não devendo se adequar as constituições dos países de seus afiliados. Se assim fosse, ela perderia sua identidade e a devida organização e cumprimento dos seus Estatutos tenderia a ser posto de lado. Em breve resumo, ela perderia a característica de entidade unificadora, unitária, devendo-se adequar as legislações de cada pais, o que certamente seria um retrocesso. Ou seja, os países filiados através de suas associações de direito privado, devem ser reativos, e não ativos, queixando-se acerca de suas soberanias. Ressalta-se que a FIFA proíbe o acesso a Justiça Comum para fatos ligados a questões disciplinares, decorrentes de competições desportivas.

Alvaro de Melo Filho, em seu livro Novo Direito Desportivo, ao mencionar com propriedade a lição de Valed Perry, analisou este conflito de legislações, de maneira muito sábia, da qual concordo plenamente, haja vista a evidente internacionalização dos desportos:

“Lembra-se, aqui, que a lei já foi expressão da vontade de Deus, depois decorrência da vontade do príncipe, e, atualmente, é expressão da soberania do povo. Contudo, no caso do desporto, a vontade divina ou humana como supedâneo da lei não passa de adereço superficial, daí porque, na liçao de Valed Perry, essa soberania soa como uma patriotada rídicula, não passando de renomada tolice, por força da valência universal das normas desportivas internacionais.”

Desta feita, assentado se mostra o entendimento de que será mais benéfico e célere, aos atores juridico-desportivos em comento, solucionarem as suas causas desportivas diretamente com a Justiça Desportiva, esta, notadamente especializada na seara em questão e, principalmente pelo arcabouço/supedaneo legal que possui para realizar tais julgados.

segunda-feira, 21 de março de 2011

As fontes do Direito Desportivo

As fontes do Direito Desportivo, sejam elas materiais ou formais, derivam não só exclusivamente do Poder Legislativo, mas também de normas do Executivo, jurisprudências e por princípios, costumes e analogias. As doutrinas seriam um suporte adicional aos interessados neste ramo. Sabe-se que quando se trata das fontes do Direito, estamos nos referindo aos locais onde se encontram as origens do Direito. Tais fontes poderão ser formais (imediatas ou mediatas) ou materiais.

No que pertine as fontes materiais, estas correspondem ao fato social e ao valor que a lei dará ao fato social. Representam e são facilmente identificadas pelo poder que têm de elaboração jurídica que posteriormente serão as chamadas normas, acerca de determinado tema.

No direito desportivo, constitue exemplo de fonte material, a Constituição que outorgou poderes para à União, Estados e ao Distrito Federal, em seu Título III, Capítulo II, art. 24, de legislar concorrentemente sobre desporto.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

IX – educação, cultura, ensino e desporto.

De outro lado, as fontes formais são aquelas pela qual o direito se manifesta, ou seja, tem o condão de expressarem-se enquanto regra jurídica. As fontes formais subdividem-se em Fontes Imediatas e Mediatas. As fontes formais imediatas são as leis. Exemplo disto é a Lei Pelé, norma geral do desporto e principal fonte infraconstitucional do direito desportivo. A lei 12.299 (Novo Estatuto do Torcedor) se faz outra fonte formal imediata e infraconstitucional. Também a CRFB/1988 em seu art. 217, constitue-se de fonte formal imediata.

E, no que tange as fontes formais mediatas, encontramos os costumes, os principios gerais do direito e a jurisprudência. A doutrina ampara os estudiosos como um suporte adicional de pesquisa.

Assim, constitue-se como exceção da criação do Poder Legislativo, o CBJD, que por seu turno foi criado pelo CNE (Conselho Nacional dos Esportes). No referido Código encontram-se a organização dos Tribunais de Justiça Desportiva, as formas e normas processuais de um processo disciplinar desportivo, as punições aos infratores das relações esportivas e disciplinares entre associações e atletas, etc.

Em suma, coexistem em nosso ordenamento jurídico desportivo, fontes exclusivas do Poder Legislativo bem como normas emanadas do Executivo, além dos principios gerais do direito, da analogia e dos costumes atrelados, é claro, à diversas doutrinas especializadas.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Breve História da Legislação Desportiva Pátria e Sua Atual Realidade.

A primeira norma referente ao desporto em nosso território, surgiu nas organizações do desporto realizadas, ainda no Império. O decreto lei 527 de 1838, é o responsável pelos primeiros registros de legislação estatal relativa à prática desportiva. Ela regulamentava que seria garantido ao desporto a cooperação financeira da União. (1)

Mais tarde, ao final da década de 30, surge no Brasil o decreto-lei de n.º 526/38, criador do Conselho Nacional da Cultura. Ressalta-se que também neste decreto-lei, a Educação física foi incluida no conceito de desenvolvimento cultural, significando assim, a segunda norma com menção ao desporto em nosso país.

Entretanto, a gênese da atual legislação esportiva pátria, servindo de base para legislações hoje existentes, se deu no ano de 1941, com o decreto lei nº 3.199/41, elaborado no Estado Novo na ditadura de Vargas, pelo então Ministro João Lyra Filho. Este decreto fez surgir o Conselho Nacional de Desportos (CND) que tinha por missão organizar, desenvolver e regulamentar as diretrizes esportivas no país. Sabe-se que o país atravessava um período ditadorial, com o Estado exercendo notória influência em todos os setores da sociedade.

Conforme explicita PUGLIESE, (p.16 2000), após a criação do CND, este deu poderes ao Estado para ingerir, criando normas desportivas de forma bastante autoritária e até conferindo a si próprio, poderes para intervir nas entidades que não cumprissem suas determinações. Ainda, esclarece que tal decreto se mostrava cópia fiel da legislação esportiva italiana, onde como no Brasil, o esporte era dominado pelo Estado, que praticamente não cedia espaço à livre iniciativa (2). Em suma, o decreto de 1941 foi a primeira Lei Orgânica que tratou efetivamente o desporto em nossa legislação.

Atualmente a Lei aplicável em nosso território, é a Lei 9.615/1998, regulamentada pelo decreto nº 2.574/98 que revogou a Lei Zico. A popularmente conhecida, Lei Pelé, surgiu através de estudos comandados pelo Ministério Extraordinário dos Esportes, posteriormente transformado no Ministério do Esporte e Turismo, tendo como seu organizador o Ministro Pelé e comissões de estudo que trabalharam na edição da lei. A Lei Pelé trouxe inúmeras discussões na época, sendo alvo, ao mesmo tempo, de grandes elogios e enormes critícas. Responsável por instituir, legislar e gerar o desporto, observa-se na extinção do “passe” o seu ponto mais significativo. Através do Art 28, §2º do texto legal, observa-se que ao término do contrato celebrado com o clube-empregador, os atletas podem livremente firmar novo pacto com este, ou com qualquer outro clube. Os atletas não eram mais “escravos” dos clubes.

Também a lei supra, determinou as finalidades do desporto, alterando o Sistema Brasileiro de Desporto, conceituando e definindo a forma de atuação da Justiça Desportiva e da prática desportiva profissional e não profissional. Não por menos, abordou a obrigatoriedade dos clubes transformarem-se em empresas comerciais, o que dois anos depois com a Lei 9.981 de 2000, voltou a ser uma faculdade. Posteriormente, neste mesmo cenário de alterações quanto a obrigatoriedade e/ou faculdade dos clubes transformarem-se em sociedades comerciais, surgiu então uma nova regulamentação que conturbariam os clubes.


CARLEZZO, resumiu de forma elucidativa o que se passou na época: “A edição da medida provisória n° 39 de 14 de junho surpreendeu a todos que acompanhavam o caso. Segundo esta, o artigo 27 sofre nova mudança” (...) "Em face do caráter eminentemente empresarial da gestão e exploração do desporto profissional, as entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as ligas em que se organizarem que não se constituírem em sociedade comercial ou não contratarem sociedade comercial para administrar suas atividades profissionais equiparam-se, para todos os fins de direito, às sociedades de fato ou irregulares, na forma da lei comercial". “Em outros termos, nova reviravolta. Revoga-se a faculdade e torna-se obrigatória a transformação de clubes de futebol, ligas, federações e confederações em sociedades comerciais ou a contratação de sociedade comercial para administração de suas atividades profissionais”. (3)

Por fim, se abordou na popular lei Pelé, a possibilidade de criação de ligas regionais ou nacionais, com autonomia e independência, desvinculadas da CBF e consequentemente da FIFA.

Caro leitor, eis então à vossa disposição, um breve resumo da história da legislação desportiva pátria, a qual certamente, merece e será tema de novo artigo com maior profundidade, a ser aqui exposto ao longo do corrente ano.

Grande Abraço!
Fiquem com Deus!

FELIPE TOBAR



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


(1) Retirado de monografia de Karina Valverde – fonte cevleis.


(2) PUGLIESE JR., Roberto José – “O Direito Desportivo à luz da lei pelé”



(3) CARLEZZO, Eduardo. Direito Desportivo Empresarial. Editora Juarez de Oliveira, 2004.