terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Torcidas Organizadas: Sinônimo de violência? Breves considerações sobre a tragédia de San José.




Escrevi na minha página no facebook, resposta ao amigo Felipe Daniel Colla, com relação a tragédia de San José e sobre a 'necessidade de exclusão das Torcidas Organizadas dos estádios', por ele aventada. A seguir, transcrevo referido texto para fomentarmos o debate e, ao final, acrescento algumas considerações realizadas nesses últimos dias.

***

Já dizia o saudoso Eduardo Galeano: “el futbol es un espejo del mundo. Y este mundo de nuestro tiempo es tan violento que transpira violencia por todos los poros”. Em outras palavras, o que ele quis dizer foi que pelo futebol ser um canal representativo da nossa sociedade, assim como o é na Argentina, terra natal do sociólogo, as torcidas acabam por ser facilmente estigmatizadas, quiçá, porque se tornaram o melhor meio de representação dos problemas sociais”.

Vanderlei de Lima, também sociólogo que escreveu juntamente comigo e o Dr. Gildo Cappatti, o livro “O protagonismo das Torcidas Organizadas na Promoção da Paz”, explica na sua obra em homenagem a TFI – Torcida Furia Independente do Guarani, que não se pode relativizar (não são todas torcidas que têm membros que matam e nem que morrem), os conflitos apresentados à população promovidos por integrantes de torcidas organizadas. Ele reforça que tais episódios não são das torcidas em si – daí ser inútil extingui-las -, mas do ser humano no seu caminho de interação cultural em seus “processos sociais básicos”. 

Com efeito, é preciso que se questione a partir dessa lamentável morte a seguinte indagação:

"Será que se tal fato ocorresse em uma partida disputada entre The Strongest x Caracas", haveria a mesma repercussão hoje experimentada? 

Pode parecer incoerente o que vou dizer, mas dentre todas as tristezas sentidas, ao menos um ponto positivo pode ser extraído. O episódio aconteceu com o Corinthians, o clube que sempre rende notícia.

Assim, poderemos iniciar debates sensatos sobre a questão da violência entre torcedores, sejam eles de organizada ou não.

Só para constar e fomentar o debate, desde o ano de 2007, conforme dados do jornal o Lance!, a violência no futebol entre torcedores aumentou em 200%, especificamente quando a CBF e o Ministério Público proibiram o consumo de cerveja nos estádios.

Outrossim, no ano passado, até o mês de maio, contabilizei somente por meio de notícias de jornais impressos e eletrônicos, 9 mortes no futebol brasileiro. Já nessa última semana, um torcedor em Pernambuco também veio a óbito. 

Logo, porque também não tratamos de discutir esses episódios? Será porque não interessa o que ocorre fora das arquibancadas? Estão a olvidar do que prevê o EDT acerca da responsabilidade dos clubes e dos demais organizadores nas adjacências dos estádios e nos trajetos de ida e volta?

Ao que parece, uma vez “varrida a sujeira” para fora dos estádios, a repercussão não mais interessa a mídia sensacionalista, muito menos aos nossos organizadores de eventos esportivos e ao ineficiente Ministério Público que pouco faz pela proteção dos direitos dos torcedores.

Não estou aqui a dizer que no seio das torcidas organizadas não existem torcedores que são violentos e que por óbvio, deveriam ser punidos com suspensão, talvez, em reincidência, com a pena de banimento dos estádios como já o fez a Inglaterra e os Estados Unidos. No entanto, não poderemos jamais generalizar a torcida, muito menos tentar proibir o acesso das mesmas com vestimentas ou outros trajes que a associem. 

Devemos sim, tratar de aplicar o Estatuto do Torcedor, realizando o cadastramento previsto no artigo 2ºA, capacitando efetivos de segurança especializados em eventos esportivos, criando sistemas interestaduais de identificação de torcedores – banco de dados como existe em alguns países da Europa que exigem documento com foto (RG ou passaporte) para adentrar no estádio, entre tantas outras medidas que diminuam a impunidade. É preciso punir de forma exemplar apenas os torcedores que criaram uma tragédia, como é o caso do menino de San José.

Outrossim, questiono aos torcedores que pedem a exclusão do Corinthians ou a proibição dos torcedores nos estádios, o porque de não terem se pronunciado de maneira similar nos demais casos de morte que ainda continuam a ocorrer em nosso país, logicamente, fora dos estádios.

O que para mim fica claro, é que para aqueles sedentos por sangue, mortes, é preciso registrar que não existem torcedores de organizadas violentos, mas sim seres humanos problemáticos inseridos em nossa própria sociedade. Esses não só cometem crimes durante dias de jogos, mas também nos outros dias da semana. Agora, resta a você, saber ponderar essas informações e lutar para a reestruturação social e pessoal desses torcedores, bem como cobrar dos órgãos públicos, organizadores do futebol, o cumprimento das leis vigentes para que a paz retorne aos estádios. Resumidamente, acho que esse seria um caminho a trilhar, ainda que seja a longo prazo.

**

Acrescento: 

Estou a escutar afirmações do tipo: "O Corinthians tem o dever moral de sair da competição". Como visto acima, pelo crescente número de mortes, poucos seriam os clubes brasileiros aptos a participarem das pugnas desportivas. Praticamente as competições estaduais e nacionais organizadas pelas federações e CBF, contariam com poucos clubes. Ainda, se o Corinthians saísse deveria também o San José fazer o mesmo, haja vista que contribuiu para a entrada do sinalizador naval.

Quem sabe em nosso país, medidas como a tomada pela CONMEBOL, proibindo a entrada de torcedores ou mesmo a retirada de pontos de clubes que venham a possuir torcedores envolvidos em atos de violência sejam realmente eficazes, haja vista o nível de atraso cultural-evolutivo que hoje atravessamos. Nesse cenário, o verdadeiro torcedor irá pagar sem mesmo ter contribuído para o evento danoso. Será assim justo?

Não seria mais fácil introjetar no raciocínio dos torcedores que seus clubes não precisam ser punidos por atos isolados de violentos? Não poderiam os torcedores retirarem o exemplo de um torcedor que foi severamente punido, por vezes, banido, dos estádios para utilizarem em suas condutas? Lembro aqui rapidamente um caso em que um torcedor brasileiro invadiu um campo de baseball nos EUA para comemorar um homerun e três dias depois recebeu pena de 5 anos de serviços à comunidade, além de pena de banimento perpétuo do estádio! Não poderiam os torcedores iniciarem uma cultura de paz ao invés de apenas ficarem conjecturando e levantando a bandeira de proibicionismo e 'pena de morte' as organizadas? Não poderiam os torcedores cobrarem dos órgãos responsáveis medidas preventivas? Não se consegue, por acaso, aprender com o erro dos outros? Precisamos estender a punição quando ela não é necessária?

Infelizmente, atacando efeitos e não as causas, iremos vivenciar a longo prazo os mesmos problemas. Estamos alimentando um ciclo vicioso que reaparecerá periodicamente, como ocorrido em brigas protagonizadas até hoje por integrantes (não todos) da Mancha Verde e Independente, mesmo após a tragédia de 1995. Não diferente, a Holanda passa pelo mesmo problema: 

http://espn.estadao.com.br/post/312162_visitante-suspenso-por-violencia-em-2007-feyenoord-continua-sendo-problema-para-policia-holandesa

Com efeito, impende que seja registrado que quando ficar claro que um clube contribuiu com qualquer tipo de apoio para ações de torcedores violentos, sejam eles de organizadas ou não, deve também ser punido exemplarmente,  sobretudo, na pessoa dos dirigentes envolvidos. Quiçá, uma vultuosa compensação financeira e exigências de se realizar uma forte ação de informação e prevenção seriam interessantes, assim como a rápida e severa punição no âmbito criminal aos culpados, seguido da necessária publicidade.

Agora, o que penso poder generalizar para fazer proibir clubes a participarem de competições, seria utilizarmos o que a lei portuguesa já o faz: NENHUM CLUBE PARTICIPA DAS COMPETIÇÕES POR LÁ ORGANIZADAS SEM CUMPRIR COM UMA ESPÉCIE DE 'ESTATUTO DO TORCEDOR DE PORTUGAL'. 

Com a plenitude da Lei 10.671/2003, quem sabe as discussões sobre o universo da violência no futebol diminuiria e muito, até porque, sabemos que a violência jamais acabará sendo ela parte inata de todo ser humano e de qualquer sociedade, desde os nossos primórdios.

Por fim,  registro o meu luto, ainda que tardio pela morte do torcedor boliviano. Ojalá que essa tragédia tenha sido acidental para um minimo de conforto aos familiares.

Abraços!

FELIPE TOBAR



Nenhum comentário:

Postar um comentário