quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Entrevista com Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza





Iniciando o ano de 2011, venho realizar a primeira postagem do ano deste blog com uma entrevista pra lá de esclarecedora acerca do Estatuto do Torcedor. Antes, rapidamente gostaria de informar e ressaltar que no ano que passou foram totalizados 16 posts, envolvendo artigos de minha autoria, bem como artigos, notícias e fatos do desporto que mereceram e foram alvo de comentários, sempre seguidos de uma análise jurídico desportiva em particular.

Assim, deixo meu agradecimento aos leitores deste blog pelos comentários dispostos e o pelo crescente número de acessos que tenho registrado ultimamente.

E, a fim de iniciar os artigos do corrente ano, e automaticamente criando uma motivação extra para a sequencia de 2011, em virtude da realização do Projeto de Pesquisa que irei realizar junto à minha Universidade, acerca do "Novo Estatuto do Torcedor e Suas Implicações Na Sociedade", venho disponibilizar à todos, uma rica e produtiva entrevista que realizei com o Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza, advogado e professor universitário, especialista no tema Estatuto do Torcedor, durante o II Seminário Nacional de Futebol e Justiça Desportiva - Novos tempos para o esporte brasileiro - na cidade de Salvador/BA, em Outubro de 2010.

Dr. Gustavo é também autor do Livro "ESTATUTO DO TORCEDOR - A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR DO ESPORTE", que pode ser adquirido em seu próprio site - ( www.gustavolpsouza.com.br ) ou acessando seu blog ( www.gustavolpsouza.blogspot.com ).

Nesta entrevista de 15 perguntas, abordou-se as principais mudanças da Lei 12.229/2010 (Novo Estatuto do Torcedor), bem como suas implicações perante o corpo social e os agentes diretamente envolvidos (Entidades Organizadoras, Clubes, Dirigentes, Torcedores, Poder Público, Poder Legislativo e Poder Executivo), nos espetáculos esportivos. Evidencia-se também, a importância e o potencial de eficácia e validade das novas alterações e, se foram realmente promovidas para modelar e reeducar os torcedores em virtude da proximidade dos grandes eventos, vide Copa do Mundo, Copa das Confederações e Jogos Olímpicos e ParaOlímpicos. Por fim, abrange tanto experiências internacionais de clubes Europeus, como de clubes Nacionais, que alcançaram o sucesso, promovendo novas formas de tratamento e respeito aos seus torcedores.


1 - Quais os avanços significativos do advento do novo estatuto? O que precisaria ter sido implementado que não foi?

Entendo que o maior dos avanços foram: Racionalização dos campeonatos, das tabelas e dos regulamentos. É exigido, ao menos, um campeonato anual que mantenha os clubes durante a temporada e que disponha de ante mão aos clubes, os seus respectivos adversários. Um claro exemplo é o campeonato de pontos corridos (Série A e Série B), cujo regulamento só pode ser alterado há cada 2 anos.

Outro avanço. Os ingressos são numerados e contém seguro de vida aos torcedores. Todo estádio, independente do número de torcedores tem que ter numeração. Nos estádios com mais de 10.000 espectadores, faz-se obrigatória a emissão eletrônica dos tickets (ingressos), sendo que as catracas deverão ser monitoradas eletronicamente por cameras, controlando assim o acesso dos torcedores ao estádio, o que tem funcionado bem. Já o que não tem funcionado de forma positiva, é uma central tecnica do estádio, por parte dos clubes. Muitos ainda nem implementaram este sistema. Certo é que os dirigentes passaram a ficar um pouco mais preocupados com os torcedores.

2 - O que ainda não foi implementado por parte dos clubes, além das centrais técnicas dos estádios?

A Racionalização da venda de ingressos. Basta analisarmos a total desorganização que ocorreu na final do Campeonato Brasileiro do ano de 2009, no jogo entre Flamengo x Grêmio, em que enormes filas se formaram, inúmeros torcedores esperando até dias na fila e muitos ficando sem ingresso.

Também, ocorre a falta de conhecimento da lei. Muitos não sabem que o Estatuto do Torcedor serve para todos os desportos profissionais.

3 - As torcidas organizadas agora são instituições juridicas e seus dirigentes respondem pelos atos de seus afiliados. Caminhamos para um modelo inglês de pacificação das torcidas? Esta situação não fere a liberdade do individuo na medida em que se obriga o cadastramento?

Quanto as torcidas organizadas, o Art 5º de nossa CF, assegura direito à associação desde que para fins licitos. Se estas torcidas organizam-se para fins ilicitos, entendo que não precisaria ser feita a nova regulamentação, até porque a constituição já previa tal punição. Quanto ao cadastramento, vejo que é importante para avaliar a idoneidade dos torcedores.Já no que pertine à liberdade, penso que não. Basicamente se trata do mesmo processo que você enfrenta em uma loja no shopping, onde alí você fornece seus dados como o RG e CPF.

E no que tange à criminalização, sigo com o posicionamento de cessare becharia, de que o castigo deve ser inevitável, mas que não é a severidade da pena que traz o temor, mas a certeza da punição ao defender que a perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade. Ou seja, a prevenção dos crimes é melhor do que a punição.

Com relação ao modelo inglês, este hoje é uma referencia no mundo. Obtiveram um resultado rápido. Em menos de 10 anos sairam de uma situação dificil, focados em um tripé: Organização, Respeito e Punição. Trouxeram melhor organização para os eventos, ingressos numerados, conforto nos assentos e nas demais áreas dos estádios. Para se ter uma idéia no Emirates, estádio do Arsenal, você desce do metrô dentro do estádio, no Benfica cerca de 50m do Estádio da Luz, é muito próximo. Nestes estádios e na maioria dos estádios europeus, os entornos são muito organizados. Atualmente, os hooligans continuam sendo punidos.

4 - A aplicabilidade da lei é o maior problema? Deveria ter sido alterada a lei?

Aplicabilidade e o conhecimento são os maiores problemas. Se o povo nao se reconhece na lei, ela não vai pegar. É a questão da lei que pega e lei que não pega. O estatuto do torcedor deve ser algo plausivel, palatável, deve partir do titular do direito.

5 - Qual a importância dos orgãos públicos que participam na elaboração, fiscalização e cumprimentos desta lei? Voce acha que o Poder Judiciario não capta os anseios do povo na medida em que se mostra ineficaz, não aplicando a lei ao caso concreto, não punindo da maneira que deveria os infratores? Ainda a isonomia das partes no processo é respeitada? O onus da prova está sendo invertido?

Infelizmente, alguns órgãos como os de proteção às relações de consumo e o próprio Ministério Público tem fechado os olhos no que concerne à fiscalização do cumprimento do Estado do Torcedor. O Poder Judiciário, por seu turno, quando bem provocado atende.

Por exemplo, toda partida deve ter um plano de ação que é um pequeno projeto para cada partida que deverá constar como vai funcionar os pontos estruturais do evento. Clubes e poder publico irão elaborar esse plano de ação, sendo que este plano, deve ser divulgado no site da entidade organizadora ou de uns dos fornecedores, o que muitas vezes não é observado. Assim, o caminho é trazer aos cidadãos maior conhecimento de seus direitos para que o povo possa conferir legitimidade à lei fiscalizando e exigindo seu cumprimento.

Acerca da isonomia processual, o Estatuto do Torcedor prevê a responsabilidade objetiva dos organizadores de eventos esportivos e/ou dos clubes mandantes. Ademais, aplicando-se subsidiariamente o Código de Defesa do Consumidor, inverte-se o ônus da prova.

6 - As indenizações aos prejudicados, reclamadas no Poder Judiciário, são infimas ou se mostram coerentes com o que se tem aplicado, nos casos análogos, como em um dano em uma loja de shopping.

Tem sido proporcional. Entretanto, acho que os valores não são suficientes.

7 - Dr., você entende que o caráter educativo das puniçoes é eficaz, ou será preciso que se mexa no “bolso dos infratores”?

Penso que a educacao é o principal meio. Mas, se não for obedecido deve ser punido com rigor para dar exemplo.

8- O Novo Estatuto do Torcedor seria um Código de Defesa do Consumidor copilado para esta lei?

O CODECON é a lei geral, sendo o estatuto do torcedor uma lei específica. Existindo a comunição das leis, deve-se aplicar a lei específica quando não há previsao na lei geral.

9 - O que é indispensável para a validade e real eficacia desta lei? A vontade politica? Ou o auxilio e cooperação da sociedade? Ou um misto disto?

Além disso, a mudança de paradigma. Os clubes precisam enxergar o torcedor como consumidor, é a minha “galinha dos ovos”, ou seja, sem ele não chegarei a lugar nenhum.

10 - A OAB, atua na fiscalização do estatuto do torcedor? Existe alguma comissão de analise?

A OAB tem criado comissões em âmbito estadual, sendo a do Estado de São Paulo, a mais atuante. A comissao de direito desportivo foca a justiça desportiva, mas não foca o caráter disciplinar. Também não foca a transferência, o marketing, licenciamento de produto, parcerias de logomarca, imagem, etc.

11 - Existe um arranjo politico, no sentindo das cobranças aos dirigentes esportivos, quanto a responsabilidade da aplicação do estatuto? Os politicos nao deveriam resolver o problema na base, nos pilares da questão, ao invés de somente realizarem “melhorias”?

A Lei busca uma situação ideal e perfeita, entao tenho que trazer uma perfeição da lei para a realidade. Posso fazer o estadio mais bonito do mundo, mas preciso de organização. Exemplo de organização é a SAT (Serviço de Atendimento ao Torcedor) existente nos clubes de Porto Alegre, Grêmio e Inter.

12 - Os clubes não deveriam receber alguma bonificação/ incentivo para conseguir cumprir com as alterações determinadas pelo Novo Estatuto do Torcedor? Pelo que vejo os Clubes de menor expressão, os chamados Clubes Pequenos, enfrentam essa dificuldade, principalmente no que tange ao monitoramento eletrônico para estádios a partir de 10.000 torcedores.

R: Entendo que poderia ter sido feito um beneficio inicial, entretanto vejo que a principal questão remonta à responsabilidade e iniciativa dos clubes para com as novas alterações. É imprescindivel que os clubes consigam enxergar esta nova forma de ver o desporto, respeitando e zelando pela segurança de seus aficionados. Se você exerce um desporto profissional, é preciso que você tenha competência e consequentemente se imponha, adequando-se as regulamentações que por ventura venham a ser exigidas.

13 - Como fazer para eliminar do entorno dos estadios, os males que infelizmente afastam as familias dos estadios?

Penso que poderia se fazer o que já se executa em Copas do Mundo. Você fica num raio de 1km, somente com torcedores com o ingresso na mão. Os que não tem não passam.

14 - O Estatuto do Torcedor vale também para o Esporte “Amador” ou Não Profissional?

No esporte amador, o Estatuto do Torcedor não funciona, haja vista pela previsão legal na Lei 10.671/2003 que assim dispõe e, por que no esporte amador o atleta não tem fonte de subsistência.

15 - Chegando ao fim, você entende que o novo estatuto do torcedor vem no bojo da mudança do cenário esportivo no Brasil? A Copa do Mundo e as Olimpíadas até onde influenciaram nesta mudança?

A criação da Lei de 2003, adveio da necessidade de moralização e valorização do desporto brasileiro.Já, a atual proposta que foi sancionada vem do ano de 2005, contudo a partir da partida entre Coritiba x Fluminense na última rodada da Série A do ano passado, o trâmite foi agilizado no Senado pelo Senador Alvaro Dias. Em sintese, a mola propulsora desta promulgação foi o incidente da última rodada do Brasileiro e a venda de ingressos na partida Flamengo x Grêmio. Tambem foi uma resposta para demonstrar sensibilidade à FIFA, à sociedade e à comunidade juridica-desportiva.

Um comentário:

  1. O modelo inglês obteve resultados satisfatórios. Mas a cultura do futebol no Brasil ainda está mais ligada à paixão e ao lazer do que à ideia de consumo. Aos poucos vai mudar, bem como o direito desportivo que durante muito tempo foi exclusivamente amador e de fins não profissionais, mas que na atualidade, todavia, vem se transformando num campo promissor de trabalho. Muito boa entrevista! Ótimo trabalho!

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