domingo, 13 de novembro de 2011

(In)Aplicabilidade do Estatuto do Torcedor em todos os desportos

Caros leitores,

No bojo dos dois grandes eventos que se avizinham (Copa do Mundo FIFA 2014 e Jogos Olímpicos Rio 2016), bem como pela grande movimentação esportiva nacional, por meio de inúmeros campeonatos que estão sendo disputados nas mais variadas modalidades desportivas, debruço-me em um tema deveras controverso no meio jurídico-desportivo, qual seja, a (in)aplicabilidade do Estatuto de Defesa do Torcedor em modalidades desportivas que não o futebol de campo.

Atualmente a doutrina majoritária representada por Pires de Souza (2009) e GOMES (2010) converge no sentido de aplicar o Estatuto do Torcedor a todos os esportes tidos como profissionais, quais sejam, Futebol, Futsal, Voleibol, Basquetebol, Tênis, etc.

Para tanto, pautam-se basicamente em principios norteadores da Carta Celetista e em inúmeros julgados desta seara, os quais declaram os atletas de tais modalidades como verdadeiros profissionais, desde que preenchidos certos requisitos que serão destacados ao longo deste artigo e que acabam por dispensar a existência de contrato formal de trabalho desportivo entre atleta e entidade de prática desportiva, para configuração do vínculo empregatício e reconhecimento de sua profissionalização. Ademais, se baseiam no que prescreve a Lei 9.615/1998 em seu artigo 26, primeira parte, senão vejamos:

Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 10.672, de 2003)

Todavia, no outro lado da balança, encontramos posicionamento doutrinário diverso, o qual entende ser o Estatuto do Torcedor, somente aplicavél ao Futebol, por força das disposições previstas nos arts. 3, parágrafo único, I e 28 da Lei Pelé cumulada com o art. 43 da Lei 10.671/2033, in verbis:

Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:

III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

Parágrafo único. O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:

I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;

Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente: (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

Art. 43 - Esta lei aplica-se apenas ao desporto profissional.

Este posicionamento, inclusive, já havia sido ventilado pelo Ministério do Esporte, por intermédio de sua Secretaria-Executiva, no ano de 2003, com a publicação da Nota Jurídica nº 002 datada de 21 de fevereiro, que dispunha o seguinte:

Senhor Secretário-Executivo,

Tendo em vista a matéria “Dirigentes criticam Estatuto do Torcedor”, publicada no Caderno de Esportes do jornal Folha de S. Paulo em 21 de fevereiro de 2003, o Ministério do Esporte esclarece que:

1. Em 1998, com a publicação da Lei nº 9.615, popularmente conhecida como “Lei Pelé”, o profissionalismo na esfera do esporte, de acordo com o art. 28, foi assim definido:

“ A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescição unilateral”.

2. O profissionalismo, portanto, compreende toda e qualquer modalidade desportiva, desde que haja contrato de trabalho celebrado formalmente entre atleta e clube.

3. Dois anos depois, a Lei nº 9.981, consagrada na grande mídia como “Lei Maguito”, definiu que o profissionalismo de que trata o mencionado art. 28 é obrigatório:

“(...) exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol”.

4. Esta regra, vale lembrar, foi incorporada ao texto da “Lei Pel´” (art. 94) e na Lei 9.981.

5. A associação do profissionalismo apenas ao futebol é no mínimo duvidosa, entretanto, não se trata aqui de discutir eventuais inconstitucionalidades da “Lei Maguito”, mas esclarecer que o Código de Defesa do Torcedor refere-se rigorosamente ao futebol.

6. Há que se destacar que ao final do texto aprovado no Congresso, que institui o Código de Defesa do Torcedor, há norma específica declarando, de forma clara e inequívoca, que:

“Esta Lei aplica-se apenas ao desporto profissional”.

7. Isto significa dizer que assuntos como segurança e higiene nos estádios, bem como emissão e venda de ingresso, por exemplo, aplicam-se apenas ao futebol, ao contrário do que propõe a matéria assinada pelos jornalistas João Carlos Assumpção e Marcelo Sakate.

8. Finalmente, é importante observar que a legislação desportiva, desde 1993, com a publicação da chamada “Lei Zico”, tem procurado contribuir para o aprimoramenteo e a moralização do esporte no Brasil. O Código de Defesa do Torcedor é mais um passo nesse caminho. Por outro lado, os outros passos compreendem, certamente, atuais e futuras leis sobre o esporte. Nesse sentido, há que se destacar o Estatuto do Desporto, que deverá entrar em vigor ainda no primeiro semestre deste ano, texto que haverá de consolidar toda a legislação desportiva do País.

Analisados então, mesmo que de maneira sucinta, as diferentes razões de ambos os posicionamentos doutrinários, mister se faz definirmos o que realmente é o atleta profissional; de que forma restará ele caracterizado, e sobretudo, o que é desporto profissional este que é aplicável ao Estatuto do Torcedor nos moldes do seu artigo 43.

Pela etimologia da palavra “profissional” retiramos – “relativo a profissão”, “aquele que não é amador” e/ou “pessoa que faz uma coisa por ofício”.
Pois bem, da palavra ofício iremos entender também segundo o dicionárioweb¹ - “Qualquer atividade especializada de trabalho; profissão; emprego; meio de vida.” (grifei)

Ora, até o presente momento não se vislumbrou, dentre os inúmeros significados que abrangem a palavra “profissional” a existência de por exemplo – “aquele que possue vínculo de emprego por meio de contrato formal de trabalho com o empregador”.
Somente, e tão somente, enxergamos o que costumeiramente os Tribunais da especializada Justiça do Trabalho vem aplicando em seus incontáveis julgados acerca da profissionalização ou não, de atletas de modalidades distintas que não o futebol.

É sabido que uma vez preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, a relação de emprego entre atletas e entidades de prática desportiva devem ser reconhecidas e por conseguinte, serem os atletas declarados profissionais.

Reza o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Neste sentido, nos autos do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-2588-79.2010.5.01.0000, em que é Agravante CLUBE DE REGATAS VASCO DA GAMA e Agravado ANDREY JACOB PIRES NEVES, onde com base no princípio da primazia da realidade, restaram verificados os requisitos caracterizadores da relação de emprego (subordinação, onerosidade, não-eventualidade e pessoalidade), bem como da ausência de contrato firmado entre as partes, chegando a única conclusão possível de que o reclamado na ocasião descumprira determinação legal.

Curioso também o fato que conforme consta do relatório da eminente Ministro Relator Lênio Bentes Correira, alguns jogadores de futsal, ao contrário do reclamante, possuíam contrato de trabalho com o clube, dentre eles o Sr. Manoel Tobias, Schumaker, Euller e André, pelo fato de que tais jogadores, inseguros com a realidade financeira do clube; por terem saídos de outros estados e; por serem da seleção brasileira, exigiram como condição para exercerem suas habilidades dentro de quadra, a formalização de um contrato de trabalho desportivo com aquela entidade. Ou seja, apenas com este exemplo, caso nos ativéssemos na epóca somente a letra da lei e mantendo-se ao lado da atual doutrina minoritária, deveriamos de maneira inconteste, reconhecer que o Futsal, ao menos durante o período em que os craques acima referidos atuaram no Vasco da Gama, fora um desporto notadamente profissional, haja vista a existência de remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva (...)

Contudo, como cediço, aos olhos do bom operador do direito enquanto magistrado, de nada vale referida disposição legislativa (obrigação de existência de um contrato formal de trabalho) se colocada em confronto com os princípios constitucionais e trabalhistas (primazia da realidade sobre a forma, norma mais favorável ao trabalhador, etc.) previstos em nosso ordenamento jurídico.

Assim, consoante Gustavo Lopes Pires de Souza, e de modo a ratificar o que realmente é um atleta profissional, devemos saber que “ser profissional não depende da existência de um contrato de trabalho”, ou seja, a forma mais correta de definir atleta profissional não é segundo o seu vínculo empregatício conforme sustentado pelo já falecido Mestre Marcilio Krieger, mas pela real intenção; pelo animus do atleta, qual seja, de se dedicar ao desporto como uma atividade profissional, a qual lhe venha garantir não só uma ocupação exclusiva, mas o sustento próprio e de toda sua família.

Uma vez ultrapassada a conceituação e reconhecimento da figura do atleta profissional, há que se responder o que verdadeiramente é o “desporto profissional”.
Segundo a análise fria da Lei Pelé, especificamente do inciso I de seu artigo 3º, será considerado desporto profissional aquele caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva, ou seja, somente as modalidades desportivas que congregarem atletas com contratos de trabalho desportivo serão tidas como modalidades profissionais.


Neste cenário, estar-se-ia negando que tanto o Basquete, o Volei, o Tênis e até os esportes aquáticos como a Natação e o Remo, são esportes profissionais, visto que os atletas das mencionadas modalidades auferem rendimentos não por força de contrato de trabalho, mas por contratos de licença e uso de imagem, de patrocínios e/ou marketing esportivos, em razão dos inúmeros benefícios fiscais garantidos com tal prática. Somente a título de curiosidade, as agremiações que contratam o licenciamento de imagem ao invés de procederem na formalização de um contrato de trabalho desportivo, estão, “em tese”, desobrigadas do pagamento de 13º salário, férias e FGTS, o que totaliza importantes menos 31,90% (27,40% de encargos trabalhistas e 4,5% de INSS sobre a folha salarial), em seus orçamentos.

Destarte, imprenscindivel as seguintes indagações: Será que o ex-atleta de Tênis, Gustavo Kuerten, que inclusive disputou inúmeros campeonatos pela ATP (Associação dos Tenistas Profissionais), o nadador César Cielo, o atleta de Voleibol Giba e o atleta de Basquete Leandrinho atualmente no Flamengo, estes que se dedicam unicamente aos treinos diários e competições ao redor do país e do mundo, não são atletas profissionais e por conseguinte só disputam competições não-profissionais?

No intuito de responder a estes questionamentos e de maneira a elucidar todas as dúvidas que permeiam a conceituação do “desporto profissional”, valho-me da lição do nobre advogado, Dr. Domingos Sávio Zainaghi, especialista em Direito Desportivo,o qual em artigo publicado no Curso de Direito Desportivo Sistêmico sob o título “Regime Jurídico do Desportista Profissional e Não Profissional”, confere uma roupagem diferenciada à pratica desportiva profissional, valendo-se da primeira parte do art. 26 da Lei 9.615/1998, quando entende que “a atividade desportiva profissional é aquele que é praticada em competição promovida para obter renda”. Importante restar hialino que a renda ao qual se refere não só o legislador mas o doutrinador em comento, não se trata apenas da renda proveniente das bilheterias através da venda dos ingressos, mas também dos inúmeros investimentos percebíveis que fazem parte do espetáculo desportivo, quais sejam, de marketing e publicidade esportiva, direitos de transmissão, direito de imagem, etc. Impensável que ao passo que geram e movimentam exorbitantes lucros aos patrocinadores e à entidade de prática desportiva, sejam tais atletas considerados não só atletas não profissionais, mas sujeitos participes de competições não-profissionais, ou no jargão popular, das competições “amadoras”.

Em apertado condensamento de idéias e pensamentos jus-desportivos que balizam o tema, pode-se afirmar que são nas considerações acima discorridas em que a doutrina majoritária atualmente vem se amparando para extender a aplicabilidade do Estatuto de Defesa do Torcedor à todos os demais esportes e, não somente ao futebol de campo, este inegavelmente a paixão da maioria dos torcedores brasileiros. Sem embargo, ainda que não seja recebida a afirmada opinião com bons olhos pela doutrina minoritária, esta que sem margem de dúvidas se mostra puramente kelseniana, recheado de um positivismo juridico, sendo extremamente legalista, entendo que a discussão sobre o desporto profissional ser aplicável aos demais esportes estaria encerrada caso uma entidade de pratica desportiva que não a do futebol de campo, utilizasse da faculdade que a “Lei Geral Sobre Os Desportos” prevê em seu art. 94, parágrafo único, visto que estaria entã passando a firmar contratos formais de trabalho desportivo junto a todos os integrantes do seu plantel, razão pela qual deveria também o Estatuto do Torcedor ser plenamente, integralmente e imediamente alí aplicado.

Infelizmente a Lei 9.615/1998, recentemente alterada pela Lei 12.395/2011, criara uma cortina de fumaça que até hoje levita causando enorme confusão jurídica dentre os seus operadores com relação ao tema ora em debate. Por sorte, existem os principios esculpidos na Constituição Federal e Consolidação das Leis Trabalhistas, e em ultima ratio, pela faculdade prevista na Lei Pelé para que a Lei 10.671/2003, também recém modificada com o advento da Lei 12.299/2010, seja aplicada a todos os desportos profissionais, os quais, leia-se, desportos que além de realizarem competições para obtenção de lucro e renda, congregam atletas que diariamente se dedicam ao esporte como uma verdadeira profissão, fazendo dele, senão uma ocupação exclusiva, ao menos uma ocupação habitual, tendo ele como seu principal objetivo de vida e meio de mantença próprio e de sua prole.

Por derradeiro, interpretar pela inaplicabilidade do Estatuto do Torcedor nos demais esportes, é contrariar os desejos dos torcedores-consumidores que hodiernamente buscam nas arenas, ginásios e praças desportivas um lazer materialmente aferível, sobretudo no que compete aos níveis de organização, conforto e segurança, condizentes sempre com as exigências internacionais das respectivas entidades de administração mundial da modalidade. De igual modo, se seguissemos o entendimento divergente, entendo que estariamos inaugurando um precedente perigoso aos demais eventos desportivos, haja vista que independetemente da forma com que a priori se analisa o vínculo empregatício entre entidades de prática desportiva e atletas, o zelo ao principal sujeito da Lei 10.671/2003, deve ser o ponto de partida para qualquer espetáculo desportivo que vise efetivamente alcançar padrões de qualidade semelhantes a outras opções de lazer que nos dias de hoje substituem a preferência nacional, tais como teatros, cinemas,shoppings e parques. Não há dúvidas que por meio de um trabalho integrado entre todos os atores desportivos ligados a manutenção e organização dos eventos, atrelados à uma legislação eficaz e em consonância com os anseios e necessidades do tempo, além de uma inteligência no trato das informações disponíveis, e permanente processo de atualização coordenada de práticas e processos por parte dos organizadores que o atual rótulo de uma lei que não pega, sumirá de uma vez por todas desta tão valorosa e vanguardista Lei.

Deixar todos as modalidades desportivas à própria sorte, seria o mesmo que negar o desporto como condição e meio de inserção social e integração dos seres humanos principalmente pelo seu caráter homogeneizante (Ramos & Leite, 2010), o que em hipótese alguma deveremos permitir. Que se cumpra o Estatuto do Torcedor em todas as modalidades desportivas com vistas a se prestar um enorme contributo para que a paz, a segurança, o conforto e o romantismo retornem aos estádios e ginásios de nosso país!

Grande Abraço,

FELIPE TOBAR


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


Estatuto do Torcedor comentado / Luiz Flávio Gomes...[et al.]. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011.

www.dicionarioweb.com.br – Acessado em 07-11-2011 as 02:30.

Ministério do Esporte - Nota Jurídica nº 002 datada de 21 de fevereiro de 2003.

Ramos, R. T., & Leite, V. H. F. (2010). Direito Desportivo e o Direito ao Desporto na Constituição Brasileira. Desporto & Direito: Revista Jurídica do Desporto(20), 151-181, in CHACON, Maria Lígia (2011) - As transferências internacionais de jogadores de futebol – “Uma análise entre Brasil e Portugal na perspectiva dos agentes licenciados” Porto – Portugal.

Recurso de Revista nº TST-AIRR-2588-79.2010.5.01.0000

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. A Evolução Dos Direitos Do Consumidor Do Esporte (Lei 10.671/2003). Belo Horizonte : Alfstudio Produções, 2009.

ZAINAGHI, Domingos Sávio, << Regime Jurídico do Desportista Profissional e Não Profissional” >>, in MACHADO, Rubens Approbato (coordenação), Curso de Direito Desportivo Sistêmico, São Paulo: Quartier Latin, 2007, pág. 113. citado por MANUAL DE DIREITO DESPORTIVO, <>, Belo Horizonte: SatEducacional, 2011.

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