quinta-feira, 24 de julho de 2014

Aldo Rebelo e o hooliganismo

Foi lançado, recentemente, Hooliganismo e Copa 2014, importante obra de 176 páginas, organizada por Bernardo Borges Buarque de Hollanda, da FGV, e Heloisa Helena Baldy dos Reis, da UNICAMP, com prefácio de Aldo Rebelo, ministro dos Esportes.

Pois bem, este artigo não trata do excelente livro em si, mas tenta entender se Aldo Rebelo, realmente, compreende um pouco da história do hooliganismo, tema tratado na obra que ele prefacia.
Para começo de conversa, o ministro diz que a violência sempre cercou as práticas esportivas e cita uma confusão de graves proporções ocorrida, em 532, no hipódromo de Constantinopla como precursora do hooliganismo, termo do século XX que designa “atos vandálicos” de torcedores a partir da tragédia de Heysel, na Bélgica, em 1985, em um jogo entre o Liverpool, da Inglaterra, e o Juventus, da Itália. Aí 39 pessoas morreram e mais de uma centena ficaram feridas.
Em resposta a Rebelo, notamos que, na própria obra por ele prefaciada, há, no capítulo V, um artigo de Patrick Mignon, sociólogo e estudioso do hooliganismo, intitulado A emergência de uma questão: a torcida na França (1985-1998). Nele, se lê, na página 102, que, em termos genéricos, “Londres conhece, de fato, um verão de 1898 marcado por numerosas histórias sobre jovens de aparência particular, franja na testa, calça e paletós curtos, quepe redondo. Eles ocupam as esquinas, brigam com gangues de bairros diferentes, agridem pedestres. São equivalentes a apaches parisienses, e a imprensa londrina os batiza de hooligans”.
Na página seguinte, o mesmo autor se volta, especificamente, para os violentos no futebol com as seguintes palavras: “ohooligan reivindicado [para os torcedores violentos – nota minha] que aparece nas décadas de 1970 e 80 tenta se sofisticar e procura evitar os dispositivos policiais para procurar o confronto com a mesma elite hooligan que torce para outro time”.
Na página seguinte, o mesmo autor se volta, especificamente, para os violentos no futebol com as seguintes palavras: “ohooligan reivindicado [para os torcedores violentos – nota minha] que aparece nas décadas de 1970 e 80 tenta se sofisticar e procura evitar os dispositivos policiais para procurar o confronto com a mesma elite hooligan que torce para outro time”.
Aqui alguém poderia tentar dar razão ao ministro. Afinal, forçando um pouco a situação, 1985 não está tão longe da década de 70 e se insere na de 80. Pura ilusão. Heloisa Reis, citando Eric Dunning, destacado especialista no assunto, diz, mais uma vez ao contrário do ministro brasileiro, que “O hooliganismo teve origem na Inglaterra nos anos de 1960 [...]. Desde os finais da década de 1960 até aproximadamente a metade da década de 1990, ano em que foi celebrada a Copa do mundo da Itália, o hooliganismo foi considerado um problema social da Inglaterra” (p. 114).
Mais: na Introdução, lemos: “Como se sabe, os hooligans adquiriram visibilidade internacional a partir da Grã-Bretanha, em fins da década de 1960, logo após a realização da Copa do Mundo da Inglaterra. Também conhecidos como English disease – doença inglesa –, ao longo do decênio de 1970 seus atos virulentos foram copiados por torcedores de outros países e se difundiram pouco a pouco pela Europa continental. A sistematização da lógica de confrontos grupais juvenis ocorreu graças à regularidade das competições futebolísticas europeias, que permitiam encontros tanto em âmbitos clubísticos quanto em âmbito de selecionados nacionais” (p. 13).
Para encerrar, dizemos que os hooligans jamais podem ter surgido com força em 1985 (ano da tragédia de Heysel), uma vez que já eram estudados desde os anos de 1970, especialmente por marxistas que o ministro poderia, por afinidade ideológica, bem conhecer (cf. Luiz H. Toledo. Torcidas organizadas de futebol. Campinas: Autores Associados/Anpocs, 1996, p. 126). 
Passadas as preocupações com a Copa do Mundo, possa o ministro ler com mais vagar o livro que prefaciou e, certamente, verá que a sua linguagem sobre o hooliganismo é, no mínimo, um tanto confusa. 

Vanderlei de Lima é filósofo e pesquisador de torcidas organizadas de futebol.

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