terça-feira, 5 de abril de 2011

A Invasão à Praça de Desporto

Autor: Rafael A. Dantas - Advogado, especialista em Direito Desportivo. Belo Horizonte - Minas Gerais.

O Novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD, em vigência a partir de 2010, trouxe inúmeras alterações importantes para a Prática do Desporto em âmbito Nacional. Algumas das mudanças são benéficas ao Atleta Profissional, pois reduziu a prescrição de penalidade e multas às algumas infrações disciplinares.

Neste sentido, também relaciona algumas indicações inovadoras, a se destacar a adequação internacional à questão do Doping, a possibilidade de propositura de transação aos infratores, entre outras valorosas determinações. Dentre outras disposições, trago ao debate a infração tipificada no artigo 213 do CBJD:

Art. 213. Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir:

I - desordens em sua praça de desporto;

II - invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo;

III - lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo. PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§ 1º Quando a desordem, invasão ou lançamento de objeto for de elevada gravidade ou causar prejuízo ao andamento do evento desportivo, a entidade de prática poderá ser punida com a perda do mando de campo de uma a dez partidas, provas ou equivalentes, quando participante da competição oficial.

§ 2º Caso a desordem, invasão ou lançamento de objeto seja feito pela torcida da entidade adversária, tanto a entidade mandante como a entidade adversária serão puníveis, mas somente quando comprovado que também contribuíram para o fato.

§ 3º A comprovação da identificação e detenção dos autores da desordem, invasão ou lançamento de objetos, com apresentação à autoridade policial competente e registro de boletim de ocorrência contemporâneo ao evento, exime a entidade de responsabilidade, sendo também admissíveis outros meios de prova suficientes para demonstrar a inexistência de responsabilidade.

Traçando um paralelo entre o artigo que trata deste assunto no antigo código e o que está em vigor, aquele não contemplava a hipótese da entidade se eximida de responsabilidade na hipótese de identificação do invasor e a conseqüente medida administrativa repressiva. Já no atual CBJD, esta possibilidade, de certa forma, traz uma hipótese de impunidade a aqueles que não previnem as invasões e são coniventes com tal infração. Assim, analisando uma situação concreta onde um torcedor invade o campo de jogo, estaria a entidade de prática desportiva incursa no citado artigo. Porém, esta infração vem sendo interpretada auditores do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, de diversas maneiras, principalmente acerca da possibilidade de exclusão de responsabilidade.

No Campeonato Brasileiro de 2009, tivemos muitas ocorrências deste fato, onde, exemplificando, o São Paulo Futebol Clube foi punido, pela 4ª Comissão Disciplinar, com a perda de mando de campo em uma partida, além de multa. O entendimento predominante, neste julgamento, baseou-se na ineficácia da excludente de punibilidade com a demonstração do torcedor preso pelas autoridades, e a comprovação aos autos, de todas as medidas possíveis para repressão à invasão. A relatoria alegou a não extensão da literalidade da lei, a desnecessidade de prejuízo na conduta, adentrando nos riscos eminentes da invasão e concluindo na preponderância, para absolvição, da prevenção e não na repressão.

Em se tratando do Pleno do STJD, a tese que predomina é a interpretação literal do artigo, onde a entidade deverá ser isenta de condenação, quando demonstrada a correta repressão ao invasor. O que, de fato, traz à infratora uma probabilidade enorme de se “livrar” de uma punição. Esta infração pode tomar amplitudes enormes, desde um simples “desfile” em campo de jogo ou uma agressão física aos jogadores, árbitros e outros envolvidos. A quem se imputará a responsabilidade do fato, com sua devida punição, na hipótese de uma gravidade maior na invasão ocorrida. Não se pode basear somente na repressão para isentar o responsável de culpa. Isso porque, a identificação e prisão do torcedor que invade ao campo de jogo é o mínimo a ser feito, além da facilidade em se reprimir desta maneira.

O objetivo do legislador foi, data maxima venia, quanto à infração de lançamento de objetos à praça de desporto. Aí, realmente, é um grande feito para a Entidade relatar o torcedor causador da infração, tanto na forma de inibir outros a cometerem o mesmo fato quanto para estimular os torcedores à delatarem quem esteja prejudicando o clube.

Ao nosso entendimento, a repressão ao fato não poderia ser valorizada à exclusão de infração, pois claro está, na maioria dos casos, a rápida detenção do invasor, com a conseqüente apresentação à autoridade competente e levada à Comissão Disciplinar do respectivo boletim de ocorrência. Isto é uma atitude mínima da Entidade de Prática Desportiva face ao risco da infração.

Em termos da invasão da praça de prática desportiva, a simples ocorrência já configuraria as iras do art. 213, sem possibilidade de excludente pela prevenção ou repressão. Se houve a invasão, a prevenção não foi adequada e o ato de auxiliar os órgãos competentes na repressão da invasão, em certa parte, uma obrigação da Entidade de Prática de Desporto em seu caráter social, e não virtude capaz de se eximir da responsabilidade.

Comentários:

Excelente o tema proposto pelo nobre amigo e Advogado das Minas Gerais, Dr. Rafael Dantas. A invasão das praças desportivas e a prática do arremesso de objetos ao interior do gramado, infelizmente, ainda persistem não só em nosso país, mas no mundo inteiro. Basta acompanhar as notícias dos jornais esportivos que refletem informações de todo o mundo, a se destacar - http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2011/04/clube-da-tunisia-diz-que-nao-fara-reclamacao-apos-violencia-no-egito.html; http://www.clicrbs.com.br/diariocatarinense/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a3256091.xml&template=3898.dwt&edition=16784§ion=132; http://esportes.terra.com.br/futebol/europeu/2010/noticias/0,,OI4822456-EI16651,00Classico+de+Birmingham+termina+com+violencia+e+invasao+de+campo.html; http://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/2011/01/fa-vai-investigar-invasao-de-campo-e-briga-de-torcidas-na-rodada-do-ingles.html; http://uolesporte.blogosfera.uol.com.br/2011/02/21/classico-grego-acaba-com-invasao-de-campo/, para então comprovar a assertiva acima mencionada.

Felizmente, tais episódios vêm diminuindo ao longo das ultimas décadas.

Nota-se que estamos discorrendo acerca de um problema global, mas com sensíveis diferenças quanto ao tratamento dispensado pelos órgãos disciplinares da Europa (UEFA e Confederações locais) e do STJD no que se refere às punições destes atos. Como visto a posição majoritária de nosso Superior Tribunal de Justiça Desportiva, traduz-se pela exclusão da responsabilidade quando cumprido em plenitude o que dispõe o parágrafo 3º do artigo 213 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Como é cediço entre todos os que vivem e trabalham no preparo de espetáculos esportivos, se mostra muito difícil prevenir por completo os atos infracionais do artigo 213 do CBJD, principalmente o arremesso de objetos nos gramados. A invasão, a meu entendimento, se mostra aos clubes e poder público, responsáveis pela segurança de determinada partida, uma tarefa menos árdua para se combater do que o arremesso de objetos ao interior do gramado. Digo isto, basicamente, em virtude da precária e antiquada infra-estrutura da maioria dos estádios brasileiros.

Pois bem, de antemão, atrelando-me a posição do Autor, abro divergência frente ao posicionamento do Pleno antes mencionado, por entender que a rápida verificação do infrator e a conseqüente condução do mesmo às autoridades policiais e judiciais para o seu devido julgamento, devem isentar a responsabilidade do clube, tão somente quanto aos objetos arremessados no interior do gramado.

Isto por que, mesmo se utilizarmos o exemplo que pratica o Coritiba quanto ao reforço no nível segurança, principalmente no momento das revistas pessoais, junto a seus aficionados nas partidas no Couto Pereira, que se faz por meio de triagens (1ª revista pessoal feita por um agente; 2ª revista feita por detector de metal e; 3ª revista feita por outro agente), sempre com vistas a diminuir radicalmente a entrada de materiais ditos ofensivos e perigosos a integridade física de todos os participes, os mesmos torcedores revistados podem tanto se utilizar de objetos do próprio estádio (cadeiras), bem como de seus pertences pessoais (celulares, chinelos, sapatos) para então os arremessarem nas 4 linhas. A dificuldade reside nisto, na certeza de que é impossível mobilizar e garantir segurança, quanto aos arremessos de objetos ao gramado.

Portanto, aplicar-se-ia, a exclusão de responsabilidade, se cumprida é claro pelo clube denunciado, a totalidade do parágrafo 3º do art. 213 do CBJD. Por outro lado, no que tange as invasões, estas não mereceriam a exclusão, diferentemente do que entende o Pleno. Desta feita, julgo oportuno para fundamentar meu posicionamento, nos atermos a realidade infra-estrutural dos estádios desportivos de nosso país, para comprovar e deixar assentado que a excludente de responsabilidade não deverá ter eficácia quando pretendida/argüida pelos advogados do clube infrator.

Em nosso país, existem os famosos “fossos” e alambrados que dividem as arquibancadas dos torcedores. Estas divisórias traduzem-se em um perigoso obstáculo à segurança dos torcedores, principalmente no que se refere aos fossos, por que são em maioria profundos, com cerca de 3m de profundidade, o que por certo demonstram ser um risco a integridade física dos torcedores, podendo até levá-los a morte, caso estes venham a cair. Infelizmente, foi o que aconteceu no Estádio do Arruda, no mês passado, durante o clássico Santa Cruz e Náutico, conforme se depreende da noticia do website: http://esportes.terra.com.br/futebol/estaduais/2011/noticias/0,,OI5010940-EI17153,00-Torcedor+morre+ao+comemorar+gol+do+Nautico+contra+o+Santa+Cruz.html.

Felizmente, no Brasil, com relação aos alambrados nenhuma tragédia do porte de Hillsborough (http://pt.wikipedia.org/wiki/Desastre_de_Hillsborough) ou a tragédia de Heysel (http://pt.wikipedia.org/wiki/Trag%C3%A9dia_de_Heysel), se concretizou. O fato a se lamentar, é mesmo que com os exemplos do estrangeiro, nossos dirigentes e entidades de administração do desporto não se mobilizaram para prevenir o que pode ser inevitável, caso venha a surgir um motim ou uma enorme confusão nas arquibancadas.

Ocorre que ao passo que demonstra ser perigoso para a integridade física dos torcedores, indiretamente, e aqui adentrando ao principal motivo da invalidação da excludente de responsabilidade do artigo 213 do CBJD, tal óbice (fosso) é deveras eficaz e importante para a prevenção das invasões aos gramados, por promover a facilidade de se antever o ato infracional em tela. Ora, com uma simples mobilização de policias e agentes de segurança, ao redor das 04 linhas, quando um torcedor tentar atravessar o fosso, imediatamente estas equipes de segurança já estarão de prontidão para receber o infrator, sem deixá-lo sequer mover-se em direção ao gramado para, quiçá, exibir-se aos meios de televisão ou então agredir o trio de arbitragem e jogadores. O mesmo pode se valer aos alambrados!

Todavia, ao meu entendimento, mesmo que facilite a inibição deste ato infracional, a presença destes obstáculos deve ser o mais rapidamente abolido dos estádios de nosso país para alcançarmos a erradicação destes problemas no interior de nossas praças esportivas.

Caso tivéssemos estádios com a infra-estrutura européia (principalmente britânica), ou seja, sem divisórias entre torcedores e jogadores, certamente poderíamos aplicar, como o vem fazendo o Pleno do STJD, a excludente de responsabilidade do artigo 213 pela notória dificuldade que então se demandaria impedir um torcedor de adentrar ao gramado, onde não existem resistências físicas (fossos e alambrados) para impedir e/ou dificultar a prática de tal ato. O disposto no parágrafo terceiro certamente, se cumprido, abrigaria a tese da absolvição da entidade de prática desportiva.

Creio, por conseguinte, que neste ponto deveria haver uma alteração no CBJD, haja vista que o expresso no referido artigo não se coaduna com a realidade dos estádios de nosso país.

Deveria o STJD utilizar como a UEFA já o faz, em seu âmbito local por meio de legislações específicas, punir tão somente, o infrator que praticou o ato ilícito em comento. Este, como na Europa, poderá ficar por muitos jogos sem assistir ao seu time de coração e, quando incidindo novamente na infração, nunca mais voltar a ver ao vivo as cores do seu clube. Ademais, a conscientização de que a cultura da promoção da paz é muito mais benéfica ao campeonato, aos clubes e principalmente a todos os torcedores, instalou-se de tal modo nas principais ligas da Europa que o torcedor que vier a praticar atos indignos nos estádios, rapidamente é pego e entregue pelos próprios torcedores aos agentes de policia, sem contar nas implicações na sua vida pessoa que podem ocorrer, quais sejam, desagregamento familiar; ida a prisão; perda do emprego; nome estampado nos principais meios de comunicação da cidade e a concreta e efetiva proibição de freqüentar os estádios e bares, durante um prazo determinado pela autoridade competente.

Assim, pelo todo exposto, mostra-se de fundamental importância a discussão destes atos infracionais previstos em nosso CBJD, para atentar aos operadores do direito desportivo, a necessidade de analisar o artigo em tela, não em sua literalidade, mas nas perspectivas da realidade concreta que não só deveriam possuir notável interferência no resultado dos julgados de ambas as infrações, mas como também deveriam servir de exemplo para conscientizar os torcedores de que o importante é torcer pacificamente, não causando prejuízos ao clube e muito menos as suas vidas pessoais.

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