terça-feira, 19 de março de 2013

COMENTÁRIOS AO LIVRO “TORCIDA FÚRIA INDEPENDENTE – HSG” Reflexões e Histórias Acerca da Maior Organizada de Interior No Centenário do Guarani Futebol Clube.



Vanderlei de Lima, ao adentrar no seio da maior organizada de interior do país, nos brinda com inéditas informações e curiosidades intrínsecas ao universo das torcidas organizadas. O que para muitos se tratou de uma caminhada um tanto quanto arriscada – pois conforme matéria do jornal Lance!, apresentada na página 45, “60% dos brasileiros querem a extinção das organizadas” –, para o Autor parece ter sido um grande aprendizado.

O livro que é de fácil e, portanto, de rápida leitura, especialmente para aqueles que são interessados do estudo de questões envolvendo o futebol, a priori, pode ser entendido como especifico à torcida Fúria Independente. No entanto, ao folhear das páginas, essa impressão se desfaz e você acaba por conhecer, ainda que em um âmbito geral, como são formadas as torcidas organizadas, suas estruturas hierárquicas, modos e meios para admissão, principais objetivos, e, sobretudo, quem são e como pensam os torcedores de organizadas.

Na parte I da obra, se comenta acerca da sociabilidade do ser humano imerso em diferentes comunidades, onde é demonstrado que há “unanimidade entre os estudiosos de torcidas organizadas em dizerem que o adolescente ou o jovem buscam nos grupos de torcedores a acolhida e até, em alguns casos, a família estruturada que eles não têm ou não tiveram” (p. 17). Nesse sentido, o Autor que se vale da citação de grandes expoentes e estudiosos de Torcidas Organizadas, ao lembrar o pensamento do Dr. Carlos Alberto Máximo Pimenta, por exemplo, é enfático: “As Torcidas Organizadas apresentam características da solidariedade, companheirismo, fraternidade e lealdade, formando agrupamentos coesos que as mantêm, e criam atrativos para os novos jovens que se filiam, proporcionando a sensação de que no grupo eles serão mais fortes” (p. 19).

 Em outras palavras, “A Torcida Organizada, apresenta-se como uma possibilidade de aniquilar o anonimato e estabelecer uma identidade, oferecendo auto afirmação e poder, ao contrário do que se vive nas relações do cotidiano, onde as pessoas são sufocadas pelas transformações radicais na sociedade que instaura um processo de luta pela sobrevivência e que faz com que o anonimato seja constante”. (pág. 19).

Assim, o torcedor se torna um ser político e sociável, aspirando se unir com o seu semelhante (da organizada que escolheu), porque ele é incapaz de viver só, o que, conseqüentemente, acarretaria na extinção dessa união de pessoas. Essa possibilidade de término é oportunamente abordada nas páginas 25, 26 e 27, quando o estudioso apresenta, quiçá, o mais emblemático caso já registrado no que pertine a tentativa de extinção dessas torcidas para cessação de cenas de violência e do retorno da paz nos estádios.

Trata-se do episódio ocorrido em 1995, após vergonhosa batalha campal no Pacaembu entre são-paulinos e palmeirenses com o saldo de um morto e 105 feridos. O então promotor de Justiça, Fernando Capez, hoje deputado estadual reeleito, fechou a Mancha Verde, do Palmeiras, e a Torcida Independente do São Paulo.

No entanto, como comprovou Vanderlei, por meio do seu estudo sobre a força do ser social, ‘não adianta acabar com a pessoa jurídica das Torcidas Organizadas – os laços de sociabilidade estão no íntimo de cada um’ (p. 26). Assim, referida medida se tornou inócua e, posteriormente, a Mancha Verde reabriu como Mancha Alvi-Verde e a Torcida Independente como Torcida Tricolor Independente.

Aproveitando o gancho dessa discussão, o autor propõe a reflexão: Se o ser humano tem grande anseio pela sociabilidade, por que acontecem tantas desavenças, brigas, guerras no mundo? Ou seja, se os torcedores de organizas almejam viver em harmonia social, por que, como divulga a mídia, estão ‘sempre’ envolvidos em episódios de violência?

Segundo o escritor, ‘sem querer relativizar (não são todas torcidas que têm membros que matam e nem que morrem), os conflitos apresentados à população não é das torcidas em si – daí ser inútil extingui-las -, mas do ser humano no seu caminho de interação cultural em seus “processos sociais básicos”.  Isso é o que resumidamente o sociólogo e escritor latino-americano, Eduardo Galeano, afirma: “o futebol é um espelho desse mundo. E esse mundo de nosso tempo é um mundo muito violento que transpira violência por todos os poros”. Mas como então acabar com tais problemas intersociais que geram competições e conflitos?

Para o Autor, utilizando de soluções da Filosofia, são duas as saídas para sanar os conflitos entre os grupos sociais: a acomodação e a assimilação (p. 33). Processos como tolerância entre torcidas, compromissos ou acordos e conciliações podem ser realizados, vivenciados. De outro lado, caminhando em sintonia, poder-se-ia utilizar a razão e a fé para sanar episódios de violência entre torcedores, reduzindo o instinto animal inato a qualquer ser humano e tornando-os cada vez mais humano à imagem e semelhança de Deus, que, conforme lembra o autor, nos chamou para a vida divina pelo Batismo.

Na parte II, o estudioso do esporte apresenta as torcidas organizadas sob os holofotes da mídia, por vezes, sensacionalista, valendo-se de dados interessantíssimos que aguçam ainda mais a leitura. Utiliza também dispositivos do Estatuto do Torcedor, quando aborda o conceito de torcida organizada conferido pelo legislador, além das possíveis punições a que os torcedores estão sujeitos.

No item 2.1 – Relendo o Lance!, Vanderlei de Lima, por exemplo, nos mostra conforme a imprensa esportiva, que as organizadas “são mesmo uma doença, porque sua fama extrapolou a paixão pelo time e festa nas arquibancadas, e se estendeu a brigas e a violências em dias de jogo, tanto nos estádios, quanto nos arredores.” Daí, porque talvez, “apenas 1% dos brasileiros vai aos estádios” e a “maioria dos brasileiros é a favor da extinção dessas torcidas”. (p. 45)

Ato contínuo exibe que 37% dos entrevistados daquele periódico são a favor da prisão de torcedores-infratores sem direito à fiança; 20% a favor de prestação de serviços comunitários e; 16% ao banimento dos estádios. Utilizando essas informações o autor comenta as experiências internacionais adotadas para diminuição da violência entre torcedores. Dentre as citações apresentadas, uma chama atenção por sua pertinência com a atual realidade do futebol brasileiro: “A Itália também aplicou, nos anos de 1990, lei semelhante à inglesa e baniu mais de 4.000 torcedores considerados violentos dos estádios. Ora, Lucas S. Apelidado de Touro, chefe da Torcida Boyz, do Roma, pode – segundo Helio Pavan Filho – “ser um vândalo, mas faz uma ponderação interessante. Diz que “a Lei é burra, pois não deixa os torcedores irem aos estádios, onde são monitorados de perto pela polícia, mas permite que se reúnam à vontade em outro lugar (...). Esse tipo de falha na Lei impede que grandes confusões aconteçam nos estádios, mas possibilita incidentes graves fora deles”.


Ou seja, varre-se a violência para fora dos estádios e a população continua a sofrer diante da ineficiência do Estado e dos organizadores dos espetáculos futebolísticos. Ilustrando essa constatação, Vanderlei apresenta, no mesmo capítulo, os dados das mortes registradas no futebol brasileiro, bem como as medidas tomadas pelo Estado para contenção das mesmas.

Ele lembra da criação do Estatuto do Torcedor, ao seu viso, inócuo, “pois, não produziu nenhum efeito, haja vista que o índice de confrontos entre torcidas e o número de mortes explodiram logo depois”. (p. 51). Concorda com a constatação do jurista Dr. Luiz Flávio Gomes, de que tal lei é fruto do populismo penal brasileiro que pouco ou nada resolve.

Explica, por fim, 1) a violência na sociedade e no futebol; 2) Quem é o torcedor de organizada; 3) as torcidas organizadas em seu amparo legal; e 4) Por que a mídia parece nutrir ódio para com esses agrupamentos?

Desmistifica ainda, dados da imprensa, comprovando que nem todas as mortes atribuídas a torcedores de organizadas são fidedignas. Crítica também não só a ausência de indignação da sociedade para com as inúmeras mortes que ocorrem diariamente em nosso país e que rapidamente são noticiadas pelos programas criminais, mas o desproporcional sensacionalismo e massiva repressão de episódios envolvendo torcedores de organizadas.

 Apresenta pesquisa de Heloísa Baldy dos Reis, realizada com 813 homens na faixa etária entre 15 e 25 anos filiados às maiores organizadas ligadas ao Corinthians, ao São Paulo e ao Palmeiras, na qual se “entendeu que o torcedor organizado é solteiro (94%) e católico (62%). Vai ao estádio sempre (40%) ou muito freqüentemente (45%) – mesmo que a partida seja televisionada. A maioria trabalha (61%) ou estuda (27%), onde 9% não informaram a ocupação e 3% desempregados, percentual menor que a taxa brasileira de 8,1%”. (p. 66).

Outrossim, demonstra que, no entender desse torcedor, há dois principais motivos para a violência. Em primeiro, fatores ligados ao adversário (rivalidade, fanatismo e provocações), com 31,5% das respostas. Em seguida, com 30%, fatores ligados à própria torcida (falta de educação, vir para brigar, estupidez). Outros 19,5% dos entrevistados creditam a violência a fatores externos (polícia violenta, mídia, desempenho do time, diretoria dos clubes, falta de estrutura e impunidade). Apenas 6% consideram que o consumo de drogas e álcool leva à violência, enquanto 5% a consideram um reflexo da sociedade, dissociado do futebol”.

Na parte III, última da obra de 137 páginas, encontramos valorosas histórias sobre a Torcida Fúria Independente. Vanderlei explica as razões para criação da torcida, o que pensavam os seus integrantes à época e, nos traça um histórico dos seus presidentes e das sedes já utilizadas pela família bugrina. O autor ainda, literalmente, viaja com os torcedores apresentando seus símbolos, cânticos, modos de conduta e alianças com torcidas de outras cidades.

Conta nesse percurso um curioso caso ocorrido na caminhada que realizou junto a TFI em partida contra o Flamengo no ano de 2010, o qual vem bem a calhar diante das crescentes críticas contra a Polícia Militar e seus agentes que realizam a ‘segurança’ dos torcedores nos dias de jogos. Como será visto a seguir, o despreparo não é recente:

“Cumpre notar que perto do Bosque a PM mudou o trajeto proposto pelo presidente da Torcida. Ele delineou um percurso que nos levaria a sair na frente da entrada principal do estádio reservada aos bugrinos. A polícia despreparada ou mesmo desejosa de que houvesse confusão (Deus julgue!), desviou-nos a fim de que passássemos ao lado da torcida flamenguista, visitante. Houve um princípio de tumulto, os policiais da Força Tática sacaram armas e nos fizeram atravessar correndo a Avenida Princesa do Oeste, próximo ao Posto do Viaduto Laurão”.

O especialista em torcidas organizadas encerra sua ‘aventura’, comentando a experiência salutar de participar de uma caravana da principal torcida bugrina rumo a Jaguariúna, lembrando que ‘cada viagem é única e cada torcida tem seu modo de proceder’, pelo que não se poderia generalizar como fez Buarque de Hollanda, ao afirmar que tais viagens são realizadas em ambiente licencioso.

Na Fúria, afirma Vanderlei, o respeito predominava, pois ali estavam adolescentes, crianças com seus pais e até um casal de namorados. Apesar da algazarra, comum nessas excursões, ninguém faltou com respeito para com essas pessoas, de modo a excluir toda licenciosidade que pudesse haver no ônibus que nos levava para o jogo Palmeiras B e Guarani, válido pela série A2 do Campeonato Paulista. (p. 126 e 124).

Finalizada a leitura dessa preciosa obra, fica a certeza de que ela possui todos os quesitos para servir como importante instrumento de difusão da fiel realidade do universo das torcidas organizadas, desmistificando a idéia geral que a sociedade possui desses torcedores. Ou seja, para aqueles sedentos por sangue, mortes, é preciso registrar que não existem torcedores de organizadas violentos, mas, sim, seres humanos problemáticos inseridos em nossa própria sociedade. Esses não só cometem crimes durante dias de jogos, mas também nos outros dias da semana.

 Agora, resta a você leitor, saber ponderar essas informações, como bem o fez Vanderlei, e lutar para a reestruturação social desses torcedores, bem como cobrar dos órgãos públicos, organizadores do futebol, o cumprimento das leis vigentes para que a paz retorne aos estádios, como o Autor e a própria TFI, na grande parte de sua história, já o fez e, espero, que continue a fazer.

Forte Abraço!

FELIPE TOBAR

*Ps: Caso os leitores desejem adquirir a obra basta acessar o site: http://www.livrariaixtlan.com.br/torcida-furia-independente.html . Recomendo! Trata-se de um excelente instrumento de pesquisa acerca do universo das torcidas organizadas.

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