sábado, 30 de março de 2013

Falhas na organização do clássico BA-VI evidenciam desrespeito ao Estatuto do Torcedor



Amigos,

     Passo rapidamente para escrever sobre mais um episódio que mancha o futebol brasileiro em tempos de promessas de maior organização e adequação aos padrões 'FIFA' de qualidade.

     Ontem, sexta-feira, foram comercializados os ingressos para o clássico entre Bahia x Vitória, que se disputará no dia 7 de Abril, na Nova Arena Fonte Nova.

      A inauguração de um novo estádio proporcionou consequentemente a expectativa de um novo tratamento direcionado aos torcedores. No entanto, na prática o que se viu foi o contrário, ou melhor, assistimos novamente como no jargão popular 'mais do mesmo'.

      Eis as manchetes:
"Cambistas? Funcionários da Arena são flagrados vendendo ingressos" Revoltados, torcedores que esperavam na fila denunciaram a venda clandestina de bilhetes. Consórcio promete demitir responsáveis. 
     Acessando os sites, é fácil verificar, principalmente com o apoio dos vídeos disponíveis em ambos os sítios eletrônicos, que houveram graves violações a importantes dispositivos do Estatuto do Torcedor.

     Nesse sentido, se os organizadores (E.C. Bahia, Federação Baiana de Futebol e o consórcio responsável pelo estádio 'Nova Fonte Nova') respeitassem inicialmente a disposição do parágrafo 5º do artigo 20 do Estatuto do Torcedor, muito provavelmente, estaríamos hoje elogiando o consequente cumprimento do parágrafo segundo do mesmo artigo, senão vejamos:

Art. 20. É direito do torcedor partícipe que os ingressos para as partidas integrantes de competições profissionais sejam colocados à venda até setenta e duas horas antes do início da partida correspondente.
§ 2o A venda deverá ser realizada por sistema que assegure a sua agilidade e amplo acesso à informação.
§ 5o Nas partidas que compõem as competições de âmbito nacional ou regional de primeira e segunda divisão, a venda de ingressos será realizada em, pelo menos, cinco postos de venda localizados em distritos diferentes da cidade.

     Ora, ao que consta as vendas apenas ocorreram nos Estádios do Barradão, Pituaçu, Nova Fonte Nova e através da internet, violando assim, o determinado pelo parágrafo 5º alhures.


     Tal dispositivo, como se pode vislumbrar, obriga que os organizadores desconcentrem a comercialização para cinco postos de venda localizados em diferentes distritos (zonas sul, leste, oeste, norte e central) da cidade que abrigará a partida.

     Não conheço o mapa geográfico de Salvador, todavia, resta comprovado que somente houveram três pontos de venda físicos, quando deveriam existir cinco.

     Destarte, com a maximização dos serviços de comercialização dos ingressos e a oportunidade para que torcedores viessem a adquiri-los em locais mais próximos de suas residências, então se estaria contribuindo sensivelmente para uma venda organizada e ágil, reforçando a existência do parágrafo 2º. Porém, como isso não ocorreu na prática, e, sobretudo, em razão da divulgação posterior da possibilidade de compra em Pituaçu e no Barradão, todos os torcedores previamente se dirigiram ao estádio da Nova Fonte Nova e lá se aglomeraram, o que veio a causar toda a confusão. 

     Igualmente consta nas notícias que por lá não haviam orientadores para sinalizar até onde poderiam se formar filas, ou seja, para informar, organizar e limitar até que ponto da fila existiriam ingressos disponíveis para serem comercializados. Pior! Foram registrados operários 'organizando' venda ilegal de ingressos, pois estes possuíam acesso privilegiado às bilheterias pelo interior do estádio. Registre-se que certamente estes operários só conseguiram vender para os torcedores do lado de fora, com a conivência dos sujeitos que trabalhavam na organização e comercialização dos ingressos da partida.

    Portanto, infelizmente, foram preenchidos os tipos penais dos artigos 41-F e 41-G, previstos no capítulo XI-A do Estatuto do Torcedor, in verbis:

Art. 41-F.  Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete: Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
Art. 41-G.  Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete:Pena - reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.  
Parágrafo único.  A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e se utilizar desta condição para os fins previstos neste artigo. 

        Por fim, ademais de ser imprescindível destacar mais um episódio que registra falhas na organização da comercialização de ingressos de uma partida de futebol no país, mostra-se também necessário criticar o comportamento do torcedor que, infelizmente, ainda se sujeita a aguentar longas horas em longas filas para adquirir o seu 'sagrado' ingresso.

Estes, caso abrissem os olhos para os quase mais de vinte direitos que possuem no corpo normativo do Estatuto do Torcedor, quem sabe evoluiriam de meros torcedores à exigentes consumidores do espetáculo mais atrativo do país, no que certamente viriam a lutar, não só nos clássicos, mas em todos os jogos de qualquer competição do calendário do futebol brasileiro, por uma venda racional, respeitosa e organizada dos ingressos disponíveis.

Contudo, ainda me pergunto: Será que realmente assim desejam? Será que a mídia também pretende o fim do desrespeito ao torcedor? 

 Provavelmente não, pois toda a celeuma, ora comentada, será esquecida no pós-jogo, haja vista que manchetes exibindo quem venceu o jogo e quem fez o gol da partida certamente vendem muito mais exemplares do que uma mera aglomeração de torcedores na busca dos ingressos.

Quem sabe, para mudar esse tortuoso e vexatório cenário, poderia o Ministério Público da Bahia, como já o fez em semelhante ocasião o Ministério Público Carioca, ajuizar ação contra os organizadores pelas notórias falhas de organização no processo de comercialização dos ingressos, notadamente em razão do descumprimento do artigo 20 e seus parágrafos. 
EMENTA - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE DEFERE AFASTAMENTO CAUTELAR DE PRESIDÊNCIA E DIRETORIA DE ENTIDADE DESPORTIVA - ART. 37, §3º, DA LEI 10.671 - INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO AO COMANDO DO ART. 20 DO ESTATUTO DO TORCEDOR - AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES DA MEDIDA CAUTELAR - PERMANÊNCIA DAS PRERROGATIVAS FUNCIONAIS INERENTES AO MANDATO ELETIVO - AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE COM O OBJETO DA AÇÃO - DECISÃO REFORMADA.(Ag. de Instrumento. n. 2005.00209530.  4a Vara Empresarial da Comarca da Capita Agravante: Club de Regatas Vasco da Gama. Agravado: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro)

Assim, poder-se-ia, ainda que por determinado espaço de tempo, suspender as atividades dos dirigentes de maneira a demonstrar, não somente ausência de impunidade, mas uma crescente, rigorosa e eficaz fiscalização dos deveres contidos no diploma nacional dos torcedores brasileiros. Nesse trabalho poderia o Procon auxiliar não só no âmbito da fiscalização, mas também na imposição de multas, já que possuem essa importante prerrogativa.

     Portanto, caros leitores, se continuarmos nessa obscura direção, quiçá nem mesmo os grandes eventos serão capazes de deixar importantes legados, como de organização, segurança, conforto e, sobretudo, informação e respeito, aos torcedores brasileiros.

      Ao que parece a grande parte dos torcedores que frequentam os estádios de todo país, estão surdos, mudos e cegos para essa triste realidade. Agora não sei se é por amor ao clube ou por completa ignorância...Enfim, o tempo vai nos mostrar a resposta.

#ACORDA FUTEBOL BRASILEIRO!

Fiquem com Deus!


Abraços,

FELIPE TOBAR

Um comentário:

  1. Excelentes observações, Dr. Felipe. Além disso, há de se salientar e cobrar a aplicação do disposto no artigo 37 e incisos do Estatuto do Torcedor, para que sejam responsabilizados os dirigentes, pois só assim eles farão questão de observar os direitos dos torcedores tratados na referida lei.

    Quanto aos torcedores, acredito que, lamentavelmente, eles não têm noção dos direitos que possuem, porque por mais que amem o clube, tenho certeza que também amam a própria vida a ponto de cobrarem seus direitos.

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